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O mundo dos corais
Já estava na hora de voltar para águas mais profundas: desde 2000 não se fazia uma investigação tão completa da saúde dos corais e de seus habitats no município de Armação de Búzios, no Rio de Janeiro. Considerada um oásis coralíneo único na costa brasileira, por seus extensos bancos formados pelo coral estrelinha, a região ganhou um novo ciclo de estudos a partir de agosto de 2016. Foi quando o Instituto Brasileiro de Biodiversidade (BrBio) recebeu recursos do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira, que tem gestão do FUNBIO. Quatro meses depois da assinatura do contrato, a equipe já levantava âncora para uma expedição biológica na região.
Foram mais de dois anos com um pé no laboratório, outro no mar. Uma temporada de muito trabalho, e também de novidades. Foi a primeira vez, por exemplo, que pesquisadores analisaram o branqueamento dos corais da região. Associado ao aquecimento dos oceanos, o fenômeno é considerado uma das grandes ameaças aos ecossistemas coralíneos no mundo todo. “Esse monitoramento ao longo do tempo existe também em vários pontos do Brasil, especialmente no Nordeste”, diz Fabiana Santos, gerente operacional do projeto.
Para entender o problema, era preciso um olhar minucioso sobre as zooxantelas, como são chamadas as microalgas que vivem nos tecidos dos corais. Numa relação simbiótica, elas garantem cerca de 90% da nutrição dos seus hospedeiros. Mas quando há algum desequilíbrio debaixo d’água, as coloridas microalgas são expelidas, dando origem ao branqueamento. A capacidade de recuperação dos corais depende da intensidade e da duração das anomalias.
Ao longo de um ano, os pesquisadores acompanharam de perto o comportamento das zooxantelas. Não só descobriram duas novas linhagens das microalgas, como monitoraram pela primeira vez o efeito de branqueamento nos corais de Búzios. “É muito importante ter esses estudos na região, pois em toda a costa brasileira não existe um ambiente coralíneo como o que temos ali”, diz Fabiana.
A boa notícia é que além de únicos, os corais de Búzios são altamente resilientes. Numa comparação com os dados gerais de saúde levantados no ano 2000, o projeto concluiu que a taxa de mortalidade das comunidades coralíneas foi baixa durante o período. Mesmo com estresses como o branqueamento e pressões antrópicas como o descarte de lixo. Se há duas décadas os principais resíduos encontrados nas areias e no mar eram bitucas de cigarro e apetrechos de pesca, hoje são os canudos e sacos plásticos que imperam.
A soma desses e de vários outros fatores ecológicos e de pressão ambiental levou os habitats dos corais a uma situação preocupante. Das 11 localidades monitoradas nos últimos dois anos na costa de Búzios, nenhuma foi considerada com boa saúde ambiental: 10 receberam a classificação de saúde regular, e uma de saúde ruim. “Isso deixa clara a necessidade de investimento em ações de manejo e num contínuo monitoramento desses ambientes”, afirma Fabiana.
Pensando nisso, o Projeto Ecorais não guardou um dado sequer nas gavetas da academia: em campanhas educativas, a equipe literalmente levou os corais para as praças públicas e escolas de Búzios, encantando estudantes, moradores e profissionais de turismo por onde passavam. Enquanto isso, 35 professores da rede municipal trocaram os livros por máscaras de mergulho e foram guiados pelo fundo do mar para se apropriarem do assunto e se tornarem agentes multiplicadores durante suas aulas.
Antes de 2018 terminar, ainda teve tempo de acontecer o Seminário Dialoga Búzios, que reuniu mais de 60 pessoas entre pesquisadores, autoridades locais, empresários e sociedade civil. A partir dos dados apresentados pelo projeto Ecorais, a audiência discutiu ações para a conservação marinha e dali nasceu uma publicação com inúmeras recomendações integrando todos estes atores. “A gente acredita que a conservação tem que ser feita de forma integrada, com a participação de todos”, resume Simone Siag Oigman -Pszczol, coordenadora do Projeto Ecorais e diretora do BrBio.
De olho nos invasores
Compartilhar conhecimento para gerar transformação. Este mote parece ser uma bússola dentro do BrBio. Afinal, o fundo do mar ainda guarda segredos para a maioria das pessoas. À primeira vista, quem bate o olho nas exuberantes cores do coral-sol (Tubastraea coccínea e Tubastraea tagusensis) jamais imaginaria estar diante de duas espécies invasoras que se tornaram um grande problema ambiental. Desde a década de 1980, quando chegou de carona em plataformas de petróleo vindas do oceano Pacífico, o coral-sol já se espalhou por mais de 3 mil km da costa brasileira.
Na iniciativa “O Controle do Coral-Sol e a Conservação Marinha”, apoiada pelo Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira, pesquisadores desembarcaram em 16 pontos do estado do Rio de Janeiro para analisar os efeitos dos invasores sobre a fauna e a flora das comunidades bentônicas – aquelas que estão no fundo do oceano. Pela primeira vez esse tipo de monitoramento foi feito na Região dos Lagos.
“As análises mostram, em dados, que a presença do coral-sol modifica a estrutura da comunidade: nas áreas onde ele está presente há uma alteração de 50% na composição e abundância de espécies”, afirma a bióloga marinha Fernanda Casares, que coordenou o Projeto.
É justamente por este motivo que sua remoção é necessária. Na última década, pelo menos 8 toneladas de coral-sol foram retiradas dos mares brasileiros para frear sua expansão. No Projeto liderado pelo BrBio, algumas áreas de manejo também foram monitoradas para se saber com que frequência é preciso voltar a um mesmo local para novas remoções.
“De forma geral, vimos que onde há menor quantidade de coral-sol apenas uma retirada é suficiente no período de um ano. E quanto maior for a abundância, mais frequentes têm que ser as remoções”, afirma Bruno Masi, pesquisador da UERJ e colaborador do Projeto. “A ideia é publicar um protocolo em linguagem acessível e disponibilizar para outros grupos e órgãos que trabalham com o coral-sol, como Ibama e ICMBio”, conta Fernanda. A bióloga ressalta que a cada novo dado levantado sobre este invasor, mais eficientes e estratégicas serão as ações para seu manejo e controle.
Foi perseguindo este objetivo, também, que o projeto fez um apanhado da distribuição do coral-sol em 235 pontos da costa fluminense. Até então, este mapeamento só havia sido feito em profundidades de 2 metros. Desta vez, os mergulhadores foram cinco vezes mais fundo e registraram a presença do invasor até 10 metros abaixo da superfície do mar. Ainda foram feitos novos registros de ocorrência das espécies em localidades no Rio de Janeiro e na Região dos Lagos.
Desde o último mês de abril, todas essas informações ganharam um formato mais palpável com o lançamento da Plataforma Brasileira de Bioinvasão, outro fruto que o projeto alcançou em parceria com o Laboratório de Ecologia Marinha Bêntica da UERJ. Por enquanto, é o coral-sol quem está brilhando no site colaborativo, com uma enxurrada de informações georreferencidadas sobre a espécie. Mas a ideia é que, aos poucos, a página se transforme numa grande enciclopédia online de espécies invasoras.
Foi numa construção coletiva também que aconteceu no mesmo mês uma oficina reunindo cerca de 30 gestores de unidades de conservação marinhas e órgãos ambientais, para discutir estratégias de manejo e controle do coral-sol no estado do Rio de Janeiro. No encontro, a equipe do BrBio apresentou dados fresquinhos sobre a presença do invasor nas áreas protegidas e todos saíram de lá com uma série de medidas para colocar em prática em suas unidades.
Com ares mais lúdicos, o coral-sol também invadiu as escolas da Ilha Grande, de Búzios e o maior aquário da América do Sul, no Rio de Janeiro, em atividades de educação ambiental. Por meio de exposições, jogos interativos, teatro e palestras, as espécies invasoras saíram do anonimato para mais de 30 mil pessoas.
Com tantas frentes de atuação, não é de se estranhar que o BrBio esteja dando conta de 17 das 59 metas traçadas pelo Ibama no Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do coral-sol no Brasil, publicado no final de 2018.
“Precisamos envolver a sociedade porque o meio ambiente não é algo externo a nós: somos parte do ambiente”, diz Fernanda. E Simone completa: “Queremos despertar, mobilizar e engajar as pessoas. Precisamos valorizar as diferentes formas de conhecimentos para dar continuidade a todo esse trabalho de conservação da biodiversidade”.