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Uma historiadora na floresta
No escritório do ICMBio, Patricia prepara as atividades que serão feitas em campo. Foto: Arquivo pessoal
Nascida e criada na cidade de São Luís, a agente de fiscalização Patrícia Araújo conhecia bem os conflitos da Reserva Biológica do Gurupi antes mesmo de concorrer a uma vaga de técnica na unidade de conservação. Formada em História pela Universidade Federal do Maranhão, Patrícia já havia estudado as consequências do povoamento desordenado da Amazônia durante a ditadura militar, especialmente em seu estado natal. “Mesmo sendo uma unidade de proteção integral, eu sempre soube que a Gurupi era diferente e teria espaço para um trabalho socioambiental, pertinente à minha área de formação”, conta.
Cortada por duas grandes rodovias, a Belém-Brasília (BR-101) e a BR-222, a Rebio tem até hoje assentamentos do Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em seu interior. Num trabalho constante de articulação com essas comunidades, Patrícia conseguiu aliados para defender um dos últimos remanescentes florestais do Maranhão. Extração de madeira e invasão de terras para criação de gado são os crimes ambientais mais comuns por ali, numa região que sempre foi vista como “terra sem lei”.
A historiadora ingressou no ICMBio em 2014, e um ano depois já teve um choque de realidade: em agosto de 2015, o líder de uma das comunidades assentadas e membro do conselho consultivo da Rebio, Zé dos Santos, foi assassinado por grileiros. “Naquele momento, eu entendi como o ICMBio é um órgão complexo, e que manter a Rebio sob controle não dependeria apenas do nosso trabalho. Pela primeira vez, tive uma dimensão maior dos conflitos da região”, diz. Em homenagem a Zé dos Santos, conhecido na época por denunciar crimes ambientais, o conselho consultivo da UC hoje leva seu nome.
Como boa historiadora que é, Patrícia não perde de vista que os desafios enfrentados pela Rebio são consequência de políticas públicas que não priorizaram as populações e a biodiversidade da Amazônia. Ela cita a doação de lotes de terra de mais de 3 mil hectares a grandes fazendeiros na década de 1960, que viria inaugurar a cultura de extração predatória de madeira e os conflitos de terra que se arrastam até os dias de hoje. Como agente de fiscalização e ponto focal da gestão no conselho consultivo da Rebio, a servidora do ICMBio enfrenta todos os dias as consequências disso.
Ela se divide entre o escritório da UC, em Açailândia, e as patrulhas na Rebio, que já conta com três bases operacionais. De acordo com Patricia, a instalação de uma terceira base próxima aos assentamentos foi determinante para frear o roubo de madeira – ali, os comunitários colaboram no monitoramento e nas denúncias. O desafio, agora, é conter a grilagem e a invasão de terras por pecuaristas. E para isso, a gestão também trabalha em parceria com o Ministério Público Federal.
“Quando o estado democrático de direito se faz presente em regiões assim, os crimes diminuem”, diz, acrescentando que o ARPA foi fundamental para garantir a presença do ICMBio na Gurupi: a grande maioria das atividades de fiscalização, conselho, manutenção de bases operacionais e veículos é custeada pelo programa.
Os resultados já são visíveis – literalmente. Onças já podem ser avistadas com mais frequência, o que inspirou a gestão a realizar um projeto de levantamento de sua população. E em 2017, o mutum-pinima, ave endêmica amazônica, deu o ar da graça na unidade pela primeira vez em 40 anos. “São as pequenas vitórias que nos fazem seguir em frente”, diz.