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Arpa 15 anos: com o coração nos mangues
Ricardo Motta, gestor do PN do Cabo Orange: ‘com o Arpa temos margem de manobra, respaldo”. Foto Samira Chain / Funbio
Por Helio Hara / Funbio
Ricardo Motta nasceu e cresceu no Rio de Janeiro. Mas foi no Parque Nacional do Cabo Orange, a mais de 3 mil quilômetros daqui, que, em 2002, diz “ter encontrado seu lugar no planeta”:
– Lá, sinto-me protegido pela floresta, diz o gestor do parque no Amapá, criado em 1980, e que em 2003 passou a fazer parte do Programa Arpa, que completa 15 anos. O programa, do Governo Federal, é coordenado pelo MMA, tem entre os principais doadores o KfW, o GEF (por meio do Banco Mundial), o Fundo Amazônia (por meio do BNDES), e a Rede WWF, e gestão financeira do Funbio.
Cabo Orange tem muito de terra intocada. Não há moradores no interior do parque. Constitui um cenário único, conhecido por poucos brasileiros. Da capital Macapá, é preciso percorrer uma estrada de terra que pode se converter em atoleiro na época das chuvas. Mas, apesar do isolamento, enfrenta ameaças como grande parte das outras UCs na Amazônia. E, no Arpa, encontra um significativo ponto de apoio:
– O Arpa é o que segura a gente. Com o Arpa, temos margem de manobra, respaldo. Temos como funcionar, mesmo quando há redução de recursos de outras fontes – diz o oceanógrafo Motta – Somos tidos como “parque abastado”.
Com 200 quilômetros de faixa costeira, o parque integra a última grande mancha de manguezais em bom estado do planeta, que se estende do Maranhão até a Guiana Francesa. Nos mais de 600 mil hectares da unidade de conservação (UC), podem ser encontrados flamingos, jacarés, onças, macacos, tamanduás, peixes-boi marinhos e de água doce. Mas, também, búfalos abandonados que constituem um risco – podem se tornar selvagens e, sem predadores, se multiplicar e provocar danos como espécie invasora. E ocupações pontuais. E pesca ilegal em barcos que estendem redes de até 20 quilômetros.
Para fiscalizar a pesca, entra em cena o “Peixe-boi”. Assim como outros equipamentos e construções, o barco regional de 17 metros foi comprado com recursos do Arpa. Hoje, dá visibilidade ao parque quando está ancorado em Oiapoque (“todos reconhecem: é o barco do parque Cabo Orange”, conta Motta). E, no mar, o “Peixe-boi” é usado na fiscalização da pesca, feita por um dos 3 funcionários da UC:
– Quando cheguei, éramos 6. Hoje, apenas 3, mais os terceirizados e prestadores de serviços (entre pilotos de barco, vigias e serventes) – diz ele.
O barco ‘Peixe-boi’, comprado com recursos do Arpa. Foto: Funbio
A UC tem paisagens peculiares: floresta de terra firme e, também, quilômetros de planícies preservadas inundadas pelo mar, que se transformam segundo as marés. É cortada pelo rio Cassiporé, que se estende por 210 quilômetros até alcançar o mar. Muito antes de chegar aos limites do parque, o rio recebe resíduos do garimpo de Lourenço, o mais antigo do Brasil. Por conta disso, a contaminação por mercúrio é uma ameaça pouco visível, porém real.
Ameaças à parte, Cabo Orange abriga exuberantes manguezais, com largura de até dez quilômetros. Com alta salinidade, são usados como ninhais por aves cada vez mais raras no Brasil, como tuiuiús e colhereiros. Também, funcionam como berçário natural para dezenas de peixes e outras espécies marinhas. Uma visita ao Parna do Cabo Orange não deixa dúvidas: ali está protegida uma faixa intocada – e cada vez mais preciosa – do ecossistema. Hoje, estima-se que 25% dos manguezais do Brasil já tenham sido destruídos.