
Expedições na Caatinga, Pantanal e Pampa atuam na detecção e avaliação de risco de espécies da flora
Há 15 anos, uma nova espécie da família das bromélias foi descoberta entranhada nos enormes paredões verticais e úmidos de Bonito (MS). Ganhou o nome de Tillandsia bonita, em homenagem à capital do ecoturismo no Brasil. Desde então, pouco se soube a respeito desse pequeno tesouro da nossa biodiversidade, protegido pelo Parque Nacional (PARNA) da Serra da Bodoquena e só ali encontrado (endêmico, portanto), o que o torna mais vulnerável. Foi justamente para colher informações sobre a população de espécies pouco estudadas que a equipe do Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), realizou seis expedições ao longo deste ano com o apoio do GEF Terrestre. Os pesquisadores do JBRJ, responsáveis pelo monitoramento da flora brasileira, acessaram áreas ainda pouco exploradas da Caatinga, do Pantanal e do Pampa para realizar a coleta de dados fundamentais que irão embasar futuras ações de conservação nos biomas. “São biomas historicamente negligenciados em termos de pesquisa botânica e investimentos em conservação, então havia um grande déficit de conhecimento sobre quais espécies endêmicas estavam, de fato, sob risco iminente de extinção. O trabalho conduzido pelo CNCFlora no âmbito do Projeto GEF Terrestre permitiu avançar significativamente nesse cenário, com a avaliação do risco de extinção de mais de 1,3 mil espécies endêmicas desses biomas”, explica Eduardo Fernandez, coordenador de avaliação do estado de conservação da flora e funga do CNCFlora. A avaliação de risco de extinção da Tillandsia bonita foi um dos focos da expedição pelo Pantanal, que visitou o PARNA da Serra da Bodoquena no início de fevereiro. “É uma espécie que ainda não passou por essa etapa, mas que será submetida agora ao processo de classificação do nível de ameaça que conduzimos”, diz Fernandez. Os pesquisadores ainda coletaram exemplares de dezenas de espécies da flora pantaneira para catalogação e avaliação. Em quatro expedições na Caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro, a equipe CNCFlora visitou o Parque Nacional Serra das Confusões e o Parque Nacional Serra da Capivara, ambos no Piauí. Na primeira Unidade de Conservação, os pesquisadores conseguiram localizar uma das espécies alvo da viagem, a Paepalanthus magistrae, uma sempre-viva também encontrada pela primeira vez há 15 anos, que cresce nas fendas das rochas e é considerada joia botânica. “Foi um prêmio ter encontrado ela”, comemora Eduardo. Realizada no Pampa, a última expedição localizou novas subpopulações e indícios de propagação de mais de dez espécies de cactáceas ameaçadas e endêmicas do bioma. Os pesquisadores também encontraram exemplares da Ephedra tweediana. “Esta é uma espécie muito enigmática e que é classificada como vulnerável. Na expedição, conseguimos coletar os primeiros registros para o Herbário RB, que reúne o acervo botânico do JBRJ, na região litorânea do Rio Grande do Sul”, completa Fernandez. Para Gustavo Martinelli, diretor do CNCFlora/JBRJ, essas expedições desempenham um papel fundamental nas pesquisas, que é obter e coletar amostras, dados e informações da região para análise e registro nos acervos científicos nacionais. “Saber se em uma região tem espécies raras, endêmicas e ameaçadas de extinção é extremamente importante para garantir o manejo de uma Unidade de Conservação e, também, para as ações de conservação relacionadas à flora”, explica ele, que conta com o auxílio de bolsistas em diversas etapas deste trabalho graças também aos recursos do GEF Terrestre. Segundo Marian Rodriguez, chefe do PARNA Serra da Capivara, os estudos científicos são um pressuposto fundamental para a proteção da flora brasileira e para que o país possa se desenvolver de forma ambientalmente sustentável. “As Unidades de Conservação da Caatinga têm sido um oásis de proteção do bioma. Então é preciso investir mais em pesquisa, pois o eixo principal do nosso trabalho está sempre embasado em dados científicos. É um tripé: ciência, conservação e desenvolvimento sustentável”, finaliza. O projeto GEF Terrestre é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), sob gestão e execução do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como agência implementadora.
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GEF Terrestre promove ações de recuperação de espécies ameaçadas da fauna
País com a maior biodiversidade do mundo, o Brasil abriga em sua fauna mais de 124 mil espécies. Esta enorme variedade, entretanto, enfrenta ameaças causadas pelo impacto das atividades humanas no meio ambiente, entre as quais o desmatamento e as queimadas. A conservação da fauna é uma das linhas de ação do GEF Terrestre, que apoia o trabalho do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no monitoramento de espécies da Caatinga, do Pantanal e do Pampa, bem como na definição de políticas e na execução de ações para sua proteção. A avaliação é a primeira etapa deste processo, na qual são coletados dados sobre a população das espécies. “O trabalho começa na avaliação do status de conservação e do risco de extinção das espécies”, explica Bernardo Brito, Coordenador de Criação de Unidades de Conservação do ICMBio. A partir desse levantamento, são criadas fichas que informam quais as principais ameaças sofridas pelas espécies e em qual das dez categorias de risco elas se enquadram — extinta, extinta na natureza, regionalmente extinta, criticamente em perigo, em perigo, vulnerável, quase ameaçada, menos preocupante, dados insuficientes e não aplicável. Elas são armazenadas no Salve, sistema do ICMBio que reúne dados de mais de 13 mil espécies. Essas informações alimentam a Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção e subsidiam a elaboração dos Planos de Ação Nacional para Conservação (PANs). Segundo Brito, os PANs propõem formas de atuar diretamente sobre as causas das ameaças às espécies com risco de extinção. Criados em 2004, eles definem medidas objetivas estratégicas para eliminá-las ou mitigá-las. Esses planos podem ser monoespécie, ou seja, se concentrar em uma única espécie, como o PAN Ararinha-Azul (Portaria Nº 353, de 25 de julho de 2019), ou definir ações de proteção a um grupo de espécies que vivem em uma mesma região e/ou sofrem ameaças semelhantes, como o PAN Aves da Caatinga (Portaria ICMBIO Nº 1.546, de 21 de maio de 2024). Ambos foram elaborados e publicados com o apoio do GEF Terrestre, que atua também na implementação das ações previstas nestes documentos. O segundo, o PAN Aves da Caatinga, se debruça sobre 34 espécies ameaçadas de extinção no bioma. Entre elas, o periquito cara-suja (Pyrrhura griseipectus), classificado como ‘Em Perigo’ com apenas 822 indivíduos. Natural do Ceará e presente também na Bahia, ele é reconhecido pelo seu peito acinzentado e penas avermelhadas no interior da asa. Para esta espécie foram previstas ações de monitoramento da população e apoio a iniciativas de reintrodução em áreas de ocorrência histórica, como a RPPN Serra das Almas, localizada na fronteira dos estados do Ceará e Piauí. “Com recursos do GEF Terrestre, conseguimos apoiar o censo da população de periquitos cara-suja na Serra de Baturité, assim como as iniciativas de reintrodução da Serra de Aratanha, RPPN Serra das Almas e Parque Nacional de Ubajara, no Ceará. Elas foram possíveis graças à experiência bem-sucedida de reprodução em caixas-ninho, conduzida com muita competência, que possibilitou um expressivo aumento da população da espécie na Serra de Baturité”, conta Emanuel Barreto, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE). Ao todo, o GEF Terrestre já atuou na elaboração e publicação de seis PANs e apoiou a implementação de ações prioritárias de restauração de fauna em 12 territórios nos três biomas apoiados pelo projeto. Os recursos do GEF Terrestre permitiram ainda a contratação de 33 bolsistas que participam de todas as etapas do monitoramento de espécies da fauna do Pantanal, do Pampa e da Caatinga conduzido pelo ICMBio. O projeto GEF Terrestre é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), sob gestão e execução do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como agência implementadora.
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As plantas únicas e ameaçadas da Serra do Espinhaço
A Cadeia do Espinhaço se estende por mais de mil quilômetros, desde o centro-sul de Minas Gerais até a Chapada Diamantina, na Bahia. Para além de uma paisagem imponente, as montanhas são o ambiente onde floresce uma vegetação exclusiva do Brasil e extremamente biodiversa: os Campos Rupestres. Este ecossistema prospera nas alturas, acima dos 900 metros de altitude, e é caracterizado pelas plantas de pequeno porte e arbustos que formam mosaicos entre a vegetação e os afloramentos rochosos, sendo o lar de espécies únicas. Em seu projeto de pesquisa de mestrado, Lucas Borges de Lima, selecionado em 2022 pelo Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro, dedica-se a fazer um levantamento florístico em uma das porções do Espinhaço, na região do Planalto da Diamantina, em Minas Gerais. Os Campos Rupestres cobrem menos de 1% do território nacional. Ainda assim, representam cerca de 14% de toda a flora vascular brasileira. O objetivo da pesquisa realizada por Lucas, mestrando em Botânica do Instituto de Biociências – Universidade de São Paulo (USP), tem como destaque identificar as espécies endêmicas, ou seja, que ocorrem apenas no Espinhaço e nos Campos Rupestres, e ameaçadas de extinção. Além disso, o biólogo pretende ajudar a suprir lacunas de conhecimento sobre as espécies que ocorrem neste ambiente montanhoso. Para realizar o levantamento, o pesquisador reuniu todas as informações disponíveis em bancos de dados de herbários e foi a campo para fazer coletas na região, inserida na Reserva da Biosfera Serra do Espinhaço. Ao todo, foram identificadas mais de mil espécies de plantas, sendo aproximadamente um terço delas endêmicas na Serra do Espinhaço e cerca de 8% em algum grau de ameaça de extinção. A lista inclui espécies emblemáticas, como o quiabo-da-lapa (Cipocereus minensis), cacto nativo nos Campos Rupestres, facilmente identificado por seus frutos azuis. Relativamente comum na região, ainda que classificado como Vulnerável ao risco de extinção, o cacto é uma Planta Alimentícia Não-Convencional usada em inúmeras receitas. O pesquisador cita ainda a Microlicia cogniauxiana, arbusto endêmico da Serra do Espinhaço e parte de um dos gêneros mais importantes para flora do Planalto Diamantina, cuja flor lilás colore a paisagem dos Campos Rupestres. Parte da família das canelas-de-ema, a Barbacenia Exscapa é outro exemplo de planta que só pode ser encontrada na Serra do Espinhaço e está Criticamente Em Perigo de extinção. A pesquisa de Lucas, entretanto, trouxe uma boa notícia: “durante os campos encontramos uma nova subpopulação da espécie”, comemora. O trabalho se dedicou a entender também quais os principais desafios para a conservação dessas espécies. “Encontramos algumas espécies endêmicas e ameaçadas que não ocorrem em unidades de conservação de proteção integral, o que representa um desafio para a proteção da biodiversidade local”, comenta o biólogo. É o caso de uma rara e pequena palmeira, com apenas 1 metro de altura, que cresce em meio ao solo rochoso. A espécie, batizada pela ciência de Syagrus mendanhensis, está classificada como Criticamente Em Perigo – o grau mais alto de risco de extinção – e suas populações estão desprotegidas, fora dos limites das unidades de conservação. A pesquisa está na fase final, adianta o biólogo, e em breve os resultados serão publicados com mais detalhes, esclarece Lucas. Esses dados serão fundamentais para alimentar o Plano de Ação Territorial (PAT) Espinhaço Mineiro, parceiro de Lucas no projeto. O PAT tem como objetivo garantir a conservação de espécies ameaçadas de extinção no Espinhaço Mineiro e é executado no âmbito do Projeto Pró-Espécies, financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, sigla em inglês) e implementado pelo FUNBIO. O biólogo contou ainda com apoio do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG) e da Área de Proteção Ambiental (APA) Águas Vertentes. “Todos esses parceiros foram essenciais para as atividades de campo. No início do trabalho, o plano era realizar coletas somente no município de Diamantina, mas graças aos apoios que recebemos, conseguimos expandir a área para outros municípios do Planalto Diamantina, como Serro, Serra Azul de Minas, Buenópolis e Couto de Magalhães de Minas”, destaca Lucas. Com isso, foi possível explorar regiões em que antes não haviam sido feitas coletas ou que eram sub amostradas. “Isso é muito relevante, pois ajudar a preencher essas lacunas de coleta permite subsidiar (em dados) trabalhos futuros sobre a flora da região e também orientar ações de conservação”, acrescenta. Os afloramentos de rocha de onde florescem os Campos Rupestres são compostos principalmente por quartzito, arenito e substrato ferrífero, o que põe a área na mira da mineração, uma das principais ameaças a estes ambientes. “Na região do Planalto Diamantina esse avanço se dá especialmente na extração de quartzito para uso na construção civil”, alerta o pesquisador. “É importante ressaltar que, devido a essas características ambientais e a alta proporção de endemismos, essa vegetação é muito sensível a ameaças causadas por atividades humanas”, completa.
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