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Em defesa da sardinha
Foto: Luciano Fischer
Depois de mais de 15 anos inalterado, o defeso da sardinha-verdadeira mudou. Se antes a proibição da captura era dividida em duas fases – no verão e no inverno –, agora ela se concentra apenas na temporada mais quente do ano. Isso, porém, não significa menos proteção. Segundo os cientistas do Projeto Sardinha: Apoio técnico-científico ao plano de gestão para o uso sustentável da sardinha-verdadeira no sudeste do Brasil, o novo defeso vai cobrir todo o ciclo de reprodução da espécie, que ocorre no verão.
“Precisamos deixar que os estoques se recuperem – e é justamente no período reprodutivo que isso acontece”, explica o pesquisador Paulo Schwingel, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). À frente do projeto apoiado pelo FUNBIO, o oceanógrafo participou de reuniões com representantes da indústria pesqueira e do governo federal para o desenho do novo período de defeso, que passa a valer entre o dia 1o de outubro e 28 de fevereiro. Ele ressalta que mesmo com as mudanças, o período total de proibição da captura permanece igual: cinco meses.
“Até ano passado o defeso de verão começava no dia 1o de novembro. Mas com o projeto do FUNBIO conseguimos mapear muito bem que houve um aumento no período reprodutivo da sardinha-verdadeira: ele não só se antecipou, como se expandiu. Até a década de 1990, a sua reprodução se concentrava em três meses. Hoje encontramos o peixe se reproduzindo durante quase seis meses. E lamentavelmente isso parece ser resultado de mudanças no clima”, afirma Paulo Schwingel.
As negociações que desaguaram na nova regra do defeso não foram fáceis. Afinal, estamos falando do principal recurso pesqueiro do país. Só em Santa Catarina, onde estão concentradas as indústrias enlatadoras, a Sardinella brasiliensis gera mais de 20 mil empregos, que fazem chegar aos mercados do país cerca de 1 milhão de latas de sardinha a cada dia.
Já faz alguns anos que a indústria reivindicava a extinção do defeso de inverno, criado para proteger o recrutamento, que nada mais é do que o período em que os indivíduos juvenis se juntam ao estoque adulto. O argumento dos empresários era de que já existem outros mecanismos para isso. E de fato: uma das primeiras leis do Brasil associadas à pesca, ainda da década de 1970, trata justamente do assunto. Ela estabelece que o tamanho mínimo de captura da sardinha-verdadeira é de 17cm.
Além disso, uma lata pode trazer entre duas ou três sardinhas-verdadeiras. Para caber mais que isso, os peixes teriam de estar abaixo dos 17cm. “Parece coisa sem importância, mas isso inibe a possibilidade de ter indivíduos jovens. É um controle que já vem da própria indústria”, diz.
O fato de o mercado rejeitar a matéria-prima que esteja fora do padrão exigido pela lei faz com que o controle na ponta da cadeia de produção seja mais rígido. Na pesca da Sardinella brasiliensis, os cardumes são identificados a partir de um navio, e cercados com o auxílio de embarcações menores e redes que chegam a medir cerca de 100 metros de altura e mais de mil metros de comprimento. Antes de puxar as redes do mar, os mestres confirmam se os indivíduos têm tamanho adequado para comercialização.
Isso é feito basicamente de três formas: com o uso de sondas, visualmente e, em caso de dúvidas, por meio de amostras retiradas do cardume cercado. Caso os peixes sejam realmente pequenos, as redes são abertas ainda no mar, e um novo lance é feito. “Os pescadores não vão trazer para terra um produto que não conseguem comercializar”, diz Paulo.
Segundo o pesquisador, os mestres que atuam na pesca de sardinhas-verdadeiras e atuns são os mais experientes do Brasil. E esse conhecimento acumulado faz com que os alvos sejam muito mais certeiros. “Alguns mestres nem precisam de amostras: reconhecem o tamanho dos indivíduos visualmente, e pelo comportamento dos cardumes. Eles são muito precisos. Dificilmente cometem um erro nesse sentido”, afirma.
Texto originalmente produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a newsletter “Linhas do Mar” para divulgação do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira e do Projeto Conservação da Toninha.