Notícias
Bonito-listrado em biografia
O bonito-listrado é considerado uma das cinco espécies mais importantes na produção pesqueira mundial. Foto: Lauro Madureira.
Posicionado entre as cinco espécies mais importantes na produção pesqueira mundial, o bonito-listrado acaba de ganhar um livro só dele. No último mês de agosto, saiu das máquinas de impressão a obra “Sustentabilidade da pesca do bonito-listrado”, que traz praticamente uma biografia desse tipo de atum. “Buscamos atualizar os dados da literatura e obter novas informações. Com o livro, consolidamos um conhecimento que foi sendo adquirido sobre a espécie ao longo dos últimos 40 anos”, afirma um dos organizadores, o oceanógrafo Cassiano Monteiro-Neto, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Com 14 capítulos, a obra encerra e documenta as pesquisas feitas pelo projeto Bonito: Ecologia e socioeconomia da pesca Katsuwonus pelamis na costa do Rio de Janeiro visando avaliação de estoque, o manejo sustentável e a sua utilização na alimentação escolar. Coordenada pelo oceanógrafo Lauro Madureira, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), a iniciativa envolveu pelo menos cinco instituições acadêmicas e científicas – além da FURG e UFF, também participaram UFRJ, FIPERJ, UFRS e UNICAMP: um grande time de cientistas para dar conta de uma espécie cosmopolita.
Com larga distribuição no Oceano Atlântico, este peixe migratório costuma ser pescado no Brasil ao longo da costa que vai da fronteira do Espírito Santo com o Rio de Janeiro, até o Rio Grande do Sul. E para entendê-lo tanto no mar como do lado de fora das águas, os pesquisadores buscaram dados que passam pela biologia, ecologia e socioeconomia.
“Um dos marcos do projeto é a multidisciplinaridade: avançamos em diferentes áreas de conhecimento, e por meio de workshops e discussões em grupos fomos conectando esses esforços”, explica Lauro Madureira. A costura foi complexa: “Ele sustenta uma cadeia de produção bem grande, no Brasil e no mundo”, observa Cassiano. Aproximadamente 80% do que é pescado em águas brasileiras fica no mercado interno, sendo 98% deste total destinados para o enlatamento.
Por ser uma espécie altamente migratória, sua pesca é regulada por um órgão internacional, a Comissão Internacional para Conservação do Atum Atlântico (ICCAT). A cada ano, a ICCAT distribui e autoriza cotas de captura para diversos países que possuem área de costa no Oceano Atlântico, a partir dos dados oficiais da produção pesqueira e da capacidade de captura da frota de cada país.
Ao longo da última década, o Brasil teve sua licença de captura do bonito-listrado ameaçada em alguns momentos, por falta de dados oficiais para serem enviados à ICCAT. Mas acabou salvo justamente por iniciativas científicas como o projeto bonito-listrado e os Programas de Monitoramento da Atividade Pesqueira (PMAP), que vêm atualizando dados sobre a estatística pesqueira, a conservação e o status do estoque do peixe no país. Publicado também numa versão em inglês, o livro organizado por Lauro e Cassiano vai chegar à mesa da ICCAT em breve.
Com larga distribuição no oceano Atlântico, o bonito-listrado costuma ser pescado no Brasil entre o Espírito Santo e o Rio Grande do Sul. Crédito: ICCAT
E se o conhecimento reunido pelo projeto chegou a instâncias políticas internacionais, ele também parece ter repercutido positivamente no setor pesqueiro nacional. Desde o início, os pesquisadores aproximaram-se dos atores que fazem parte da cadeia produtiva do atum para dialogar e construir juntos alguns conhecimentos sobre aspectos sociais e econômicos na captura da espécie. “A proximidade fez boa parte do setor entender que a ciência não vem só para bater contra a pesca, uma ideia ainda muito arraigada. Ela vem justamente criar alternativas para manter aquela produção sustentável”, diz Cassiano.
As pesquisas, inclusive, possibilitaram entender melhor uma variação comum no volume de captura do bonito-listrado – que em alguns anos ultrapassa as 30 mil toneladas e, em outros, não chega a 20 mil. No projeto, os pesquisadores descobriram que a inconstância pode estar relacionada a oscilações ambientais em larga escala. “Por ser uma espécie pelágica, que vive na coluna d’água, o bonito-listrado é muito suscetível às condições oceanográficas. Ou seja, o ambiente interfere em seus deslocamentos, nas migrações, na reprodução e também na produção pesqueira”, explica Cassiano.
O dado é importantíssimo para que a ciência possa monitorar essas variações e melhorar a previsibilidade das safras, garantindo uma exploração segura e sustentável – tanto econômica quanto ecologicamente. Afinal, o bonito-listrado e os pescados em geral ainda têm espaço para expandir sua presença no mercado brasileiro: por aqui, o consumo de peixes per capita não chega a 10kg/ano. O número está abaixo do mínimo de 12kg/ano recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Pensando nisso, o projeto fez alguns testes para avaliar o grau de aceitação do bonito-listrado por crianças e adolescentes estudantes do município de Macaé, no Rio de Janeiro. Entre 80 e 90% dos jovens aprovaram o sabor do pescado: um passo necessário para que o peixe seja incluído no cardápio da merenda escolar.
“É um recurso natural extraído em águas brasileiras, de alto valor nutritivo e que poderia contribuir para complementar dietas pobres em proteínas por todo o Brasil”, diz Lauro. E de quebra, os professores ainda teriam um gancho para falar da espécie nas salas de aula. “É possível ensinar matemática, química, ciências a partir dos alimentos que você entrega para as crianças”, aposta o pesquisador, que encerra o projeto satisfeito com seu legado.
“Acho que o destaque do projeto é justamente sua amplitude, sua capacidade de compreender um panorama geral sobre o bonito-listrado. Foram dezenas de pesquisadores que colaboraram, e isso permitiu que diferentes disciplinas conversassem, discutissem e ampliassem os resultados”, diz o pesquisador da FURG. “Espero que no futuro a gente possa continuar fazendo projetos desse tipo”.
Texto originalmente produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a newsletter “Linhas do Mar” para divulgação do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira e do Projeto Conservação da Toninha.