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Um refúgio inusitado para as abelhas
Abelhas são polinizadoras fundamentais para o sucesso não apenas da flora nativa, mas também de plantações e cultivos de alto valor econômico. Se no ambiente rural não há dúvida sobre a sua importância, nas cidades essa presença é mais nebulosa e invisibilizada. Com isso em mente, a doutoranda Karla Palmieri, da Universidade Federal de Lavras (UFLA), decidiu entender quais os efeitos da urbanização sobre comunidades de abelhas nativas e como as diferentes configurações das áreas verdes nas paisagens urbanas impactam a conservação destes importantes insetos. A pesquisadora foi uma das selecionadas em 2019 pelo Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro.
“Atualmente estamos vivendo uma grande expansão urbana e a previsão é aumentar ainda mais nos próximos anos. Estudos têm demonstrado que as cidades podem atuar como refúgio para as abelhas, já que as áreas naturais foram historicamente suprimidas para atividades humanas”, conta a doutoranda da UFLA, que já está na fase final do seu projeto, com a publicação de artigos e materiais de divulgação.
As cidades podem conter uma variedade de abrigos para as abelhas, explica Karla, como muros, jardins e árvores. Além disso, o paisagismo e a arborização urbana que privilegia espécies ornamentais, com flores, garante alimento para as abelhas durante praticamente todas as estações do ano. “Dessa forma, compreender como as cidades podem contribuir para a conservação de abelhas nativas é fundamental para a manutenção do serviço de polinização”, completa.
Para fazer o estudo, a pesquisadora selecionou seis cidades situadas no sul de Minas Gerais: Alfenas, Poços de Caldas, Lavras, Três Corações, Varginha e Pouso Alegre. Todo mês durante seis meses, Karla foi a campo coletar abelhas em 21 áreas diferentes nessas cidades. “Essas áreas possuíam diferentes níveis de urbanização e diferentes composições, configurações da vegetação. Foi um intenso trabalho que demandou transporte, hospedagem, alimentação, e o apoio do programa Bolsas Funbio foi fundamental para que a pesquisa ocorresse”, reforça a pesquisadora.
O resultado foi surpreendente. Ao todo, Karla coletou 132 espécies diferentes de abelhas, desde abelhinhas tão pequenas que são confundidas com mosquitos, até espécies maiores, com tonalidades metálicas. De forma ainda mais inesperada, a pesquisa registrou até mesmo abelhas especialistas, como coletoras de óleos, e espécies que fazem ninhos no solo. Todas elas se beneficiando dos vários tipos de recursos florais nessa selva nem tão de pedra assim.
Outro aspecto da pesquisa conduzida pela doutoranda diz respeito a como as diferentes configurações de áreas verdes na paisagem urbana afetam as abelhas. Nesse caso, Karla focou em dois modelos: o land sparing, onde existe uma área verde contínua, adjacente às construções urbanas; e o land sharing, onde há áreas menores de vegetação em meio a uma matriz construída.
O estudo revelou um maior número de espécies com ocorrência exclusiva justamente nesta segunda configuração, onde a vegetação está distribuída em pequenos fragmentos entre as edificações da matriz urbana. Ao todo, 37 espécies de abelhas foram encontradas exclusivamente nas áreas de land sharing amostradas, contra 16 nos ambientes de land sparing.
A pesquisadora explica que essas áreas podem oferecer uma maior diversidade de habitats dentro da área de vida das abelhas e destaca que práticas humanas, como a manutenção de jardins, praças, parques e hortas urbanas beneficiam muitas espécies de abelhas.
“Uma curiosidade pessoal foi que, através da pesquisa, comecei a observar com mais atenção tudo que estava relacionado com as abelhas ao meu redor. Encontrei vários ninhos na minha própria casa. Hoje trabalho com educação ambiental para a conservação das abelhas nativas, mostrando para a população leiga a sua importância, sua diversidade e como a maioria delas são inofensivas para nós, seres humanos”, conclui a pesquisadora.
Com esse trabalho de educação ambiental, Karla pretende ampliar o alcance dos resultados da sua pesquisa e sensibilizar as pessoas sobre a conservação das abelhas nas cidades. Para isso, a pesquisadora tem duas publicações em andamento – para além da tese. Um catálogo de identificação das abelhas nativas encontradas nas cidades da região, voltado para o público mais leigo, com fotografias e informações gerais. E um livro infantil sobre a conservação de abelhas que traz os resultados da pesquisa de forma lúdica para engajar as crianças.
A relação das cidades com os polinizadores (não apenas abelhas, mas também borboletas, besouros, moscas, vespas e outros insetos) também é o tema de outro projeto de pesquisa em andamento apoiado pelo Bolsas FUNBIO. O doutorando Victor Hugo Duarte da Silva, da Universidade Federal de Minas Gerais, bolsista selecionado na edição de 2021, dedica-se justamente a entender a disponibilidade espaço-temporal de recursos florais para polinizadores em espaços verdes urbanos. Seu local de estudo é a metrópole e capital mineira, Belo Horizonte. “O trabalho tem parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte e os resultados poderão subsidiar, por exemplo, o manejo da vegetação de parques e praças pensando nos polinizadores. Isto é, ajudar a escolher a melhor época para o plantio de determinadas espécies, considerando o impacto que terão sobre os insetos polinizadores. E pensar no planejamento urbano considerando esses insetos”, conta Victor.