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Semente plantada: equipe multidisciplinar estuda a Reserva Extrativista (RESEX) Marinha do Arraial do Cabo
A Reserva Extrativista (RESEX) Marinha do Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, é velha conhecida de pesquisadores. Já faz pelo menos 20 anos que o Laboratório de Ecologia e Conservação de Ambientes Recifais (LECAR), da Universidade Federal Fluminense (UFF), mantém uma base por lá. E nos últimos anos, os estudos na região ganharam novo impulso: “Nossa experiência em Arraial é longa. Mas conseguimos ampliar nossos objetivos, aumentar a escala das áreas estudadas e fazer pesquisas inéditas”, diz o coordenador do LECAR, Carlos Eduardo Ferreira.
O biólogo esteve à frente do projeto Costão Rochoso: Subsídios para o Plano de Manejo da RESEX Mar de Arraial do Cabo. Entre 2017 e 2021, uma equipe multidisciplinar não tirou os olhos daquele mar de águas claras. Por meio de entrevistas com pescadores e diferentes métodos de monitoramento, os cientistas conseguiram um retrato mais apurado da biodiversidade local, além de descobrirem novas espécies, registrarem um processo de branqueamento de corais e avistarem grupos de animais vulneráveis e ameaçados de extinção.
Desvendando o mar
Por se tratar de uma Unidade de Uso Sustentável, o diálogo com os pescadores que vivem na região foi fundamental. Até mesmo para entender algumas mudanças históricas em relação às espécies que são – e que eram – capturadas por ali. “A estatística de pesca no Brasil parou há mais de 10 anos. Não sabemos o que pescamos, quanto pescamos. E sem manejo, as espécies vão sumindo”, diz Carlos Eduardo.
As entrevistas com mais de 80 pescadores resgataram informações de décadas atrás e também trouxeram à tona dados atuais sobre a atividade pesqueira em Arraial do Cabo. Com o conhecimento local, foi possível perceber, por exemplo, que alguns peixes apanhados no passado passaram a sumir das redes – como a garoupa. E alguns animais que antes eram descartados ou ignorados, acabaram ganhando valor de mercado. É o caso dos budiões, que recentemente saíram da classificação de ‘pouco preocupante’ para ganhar o carimbo de ‘vulneráveis’ à extinção.
Herbívoros, os budiões têm um papel fundamental no controle das algas em recifes e costões: se elas crescem demais, acabam abafando os corais e eles morrem, desencadeando um efeito dominó sobre vários organismos que dependem daquela estrutura. “Ter o budião é muito saudável para o sistema marinho”, resume o vice-coordenador do projeto Costão Rochoso, Moysés Barbosa.
Por este motivo e pelo risco de seu desaparecimento, os pesquisadores resolveram fazer um estudo específico e inédito sobre os budiões, que se tornaram o primeiro peixe do Brasil a ser monitorado por telemetria, por meio da inserção de chips com GPS. O objetivo era seguir seu rastro para entender a área que ele percorre ao longo da vida.
“A gente já tinha uma ideia de que não era um bicho que se deslocava por grandes distâncias. Mas agora conseguimos bater o martelo: sabemos o tamanho da área necessária para proteger o budião”, afirma Moysés. Segundo ele, Arraial do Cabo abriga quatro das quase 10 espécies de budião que ocorrem no Brasil. A pesquisa foi feita com duas delas: o budião-verde (Sparisoma frondosum) e o budião-batata (Sparisoma axillare).
Famoso por sua cor vibrante, o budião-azul (Scarus trispinosus) ficou de fora do trabalho pois não foi possível capturar um número suficiente de indivíduos. Mesmo assim, outra frente do projeto trouxe boas notícias durante os monitoramentos de biodiversidade feitos com mergulhos e câmeras subaquáticas: “Conseguimos registrar algumas espécies vulneráveis como raias e um cardume de budião-azul, que até então não tínhamos visto”, conta Moysés.
Monitorar a biodiversidade que vive sob as águas de Arraial já era uma atividade comum no Laboratório da UFF. Mas se antes de 2017 os pesquisadores faziam apenas uma saída por ano, o número quadruplicou. A presença mais frequente no mar apurou o olhar da equipe e possibilitou que o time enxergasse mais longe.
Além da documentação de animais ameaçados, foram registradas pela primeira vez uma espécie de crustáceo – que ainda está sendo descrita – e um peixe exótico africano de apenas 3 centímetros (Chromis limbata), que já havia sido visto em Santa Catarina, mas nunca no Rio de Janeiro.
As incursões marinhas também permitiram o registro de um episódio cada vez mais comum no mundo, relacionado ao aquecimento global: o branqueamento de corais. Isso nem estava no escopo do projeto, mas em 2018 as águas de Arraial ficaram mais aquecidas e muitas colônias perderam suas cores. Como o fenômeno não foi longo, a maioria se recuperou.
“Os monitoramentos têm que ser algo de longo prazo, porque só assim a gente consegue entender como as espécies estão variando, aferir o impacto da pesca, da poluição e das mudanças climáticas sobre elas”, diz Carlos Eduardo.
O trabalho continua
Além de terem sido compartilhados com a população local em inúmeras atividades de educação ambiental, as informações apuradas pelo Costão Rochoso alcançam hoje mais de três mil pessoas que passaram a seguir o projeto nas redes sociais. E, claro, também já estão nas mãos dos órgãos ambientais e dos moradores do entorno da RESEX, influenciando inclusive o Plano de Manejo da unidade, que ficou pronto recentemente.
A partir de dados dos monitoramentos, por exemplo, o plano adotou um tamanho mínimo para a captura de peixes na pesca recreativa, a fim de evitar que indivíduos sejam apanhados antes de seu período de maturação. O budião também ganhou mais proteção: o documento define que apenas extrativistas podem pescá-los, proibindo a pesca esportiva da espécie.
Os pesquisadores comemoram as conquistas. Mas dizem que ainda há muito trabalho e diálogo pela frente. A próxima meta é a criação de uma área de Proteção Integral dentro da RESEX, que funcione como um criadouro para que as espécies cresçam, se reproduzam e exportem larvas e adultos para fora daquele limite. “Seria como uma ‘poupança’, em que a área não pescada sustentaria a área de pesca”, explica Carlos Eduardo.
A meta é ambiciosa. Mas Moysés diz que o projeto fez as discussões sobre a proposta avançarem muito entre os diferentes setores do município de Arraial do Cabo. “Tivemos reuniões com pescadores, mas também com representantes dos órgãos públicos, do mergulho, do comércio. Já existe um certo consenso sobre a necessidade de se ter uma área de proteção integral. O que não conseguimos ainda é um acordo sobre que área é esta”, explica o pesquisador, sem perder a confiança: “Já plantamos a semente”.