Notícias
Segunda casa
Uma semana. Este costumava ser o tempo máximo que uma equipe do ICMBio permanecia dentro do Parque Nacional dos Campos Amazônicos. Com mais de 900 mil hectares que recortam os estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia, até pouco tempo atrás a Unidade de Conservação (UC) não tinha uma base de apoio dentro de seus limites. A cada expedição, era preciso levar uma enorme parafernália para montar acampamento. Desde 2017, porém, isso mudou: naquele ano, foi inaugurada a primeira base física dentro do parque, com recursos do Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA).
“A gente não tinha condições de ficar por muitos dias acampado em um local isolado, sem comunicação, sem energia elétrica. Hoje a gente consegue ficar 15 dias ou até mais”, diz o gestor Bruno Cambraia, cuja única opção era ficar baseado no escritório do ICMBio em Porto Velho, a seis horas de distância da UC. “Era importante estruturar uma base num local estratégico da unidade, possibilitando a permanência dos servidores lá dentro por mais tempo e com mais conforto”, explica.
Desde que a base ganhou vida, dois vigias ficam permanentemente dentro do parque. Durante toda a época da seca – que dura aproximadamente seis meses –, uma equipe de 12 brigadistas também faz dali sua casa. E é casa completa: tem internet, cozinha, refeitório, banheiros, alojamentos e redário. Tudo alimentado por um sistema de energia solar. Segundo Cambraia, a gestão da unidade melhorou em todos os aspectos.
“Sem essa base a gente nem podia investir muito em equipamentos, pois não tinha onde deixá-los. Hoje temos duas motos, dois quadriciclos e um veículo que ficam ali 100% do tempo apoiando as atividades no parque. Todo trabalho de manejo de fogo e combate a incêndios também pôde ser ampliado”, afirma o gestor.
A chegada da infraestrutura ainda atraiu os olhares de cientistas para o Parna Campos Amazônicos: só no ano passado, três grandes expedições passaram pela unidade. “Isso não acontecia”, diz Cambraia. “Os pesquisadores tinham muita dificuldade de ficar no parque pois não tinham apoio. Depois que construímos a base, é comum ter incursões com pesquisadores de todo o Brasil”.
Desafio em dobro
Erguer uma estrutura física no meio da Amazônia não é tarefa simples. Para se ter uma ideia, de R$ 1,3 milhão investido na base de apoio do Parna Campos Amazônicos, cerca de 40% foram gastos para viabilizar a logística da obra. Mas quem está à frente dessas unidades de conservação geralmente não abaixa cabeça para os desafios.
Gestora da Reserva Biológica do Lago Piratuba, que fica no município de Cutias, no Amapá, Patricia Pinha começou a sonhar com uma base de apoio para a Rebio logo que chegou à unidade, em 2003. Até então, os servidores ficavam exclusivamente baseados na sede do ICMBio em Macapá. Para realizar qualquer atividade na UC, era sempre uma saga: pelo menos quatro horas de estrada e mais três de voadeira, com bagagens carregadíssimas.
“A gente sempre levava motor de popa, gás para cozinhar, materiais que precisavam ser consertados, isso e aquilo. Chegando em Cutias, pedia para deixar as coisas nas casas das pessoas, nos comércios. Era muito difícil”, relembra Patricia. “Se tivesse uma sede naquele município, a gente poderia ficar mais perto da unidade e mais tempo em campo. Então começamos a batalhar para fazer essa construção”.
Mas Patricia não queria uma edificação qualquer: já que era para fazer obra, que fosse feita da maneira mais sustentável possível, com tecnologias de baixo impacto ambiental. “Através do ARPA conseguimos contratar uma consultoria que elaborou um projeto com várias técnicas construtivas adaptadas ao local, considerando o clima, os materiais e o uso da água”.
À primeira vista, porém, a ideia de uma bioconstrução no interior do Amapá veio com um balde de água fria. Dentro do próprio órgão gestor, Patricia inicialmente ouviu que aquilo não daria certo, que não duraria, que não teria mão de obra qualificada para isso. Mas a gestora não abriu mão da proposta. “A gente trabalha com meio ambiente. Nada mais compatível que ter as instalações de uma UC feita de forma sustentável”, argumentava. Abaixo vídeo de Patricia falando um pouco mais.
Até que o projeto foi aprovado em 2010. Com o sinal verde, uma construtora local foi contratada para tocar os trabalhos, que envolvia subir paredes de taipa, fazer sanitários secos, fossa de bananeiras e um sistema de coleta de água da chuva. A empresa nunca tinha feito nada parecido.
Com apoio de uma arquiteta especializada em bioconstrução, foram feitas oficinas abertas não só para os funcionários da obra, mas também para a comunidade local, que botou a mão na massa e, de quebra, se aproximou da Rebio. “Na inauguração, em 2011, fizemos um bolo gigantesco e chamamos todo mundo. O pessoal falava orgulhoso: ‘essa parede eu que ajudei a construir’”, lembra Patricia.
E o envolvimento da população local foi somente um dos pontos que a nova sede trouxe para a unidade. Assim como ocorreu no Parna Campos Amazônicos, na Rebio a gestão ganhou um novo impulso. “Foi uma mudança muito grande. Agora temos um local bacana para trabalhar e estamos bem mais perto da unidade”, diz Patricia.
Além de cursos de formação de brigadistas, a sede em Cutias já reuniu e hospedou todos os conselheiros da Rebio e tem recebido com frequência demandas de outras instituições de pesquisa. “Desenhamos a base para isso”, diz a gestora, sem dúvida alguma de que valeu a pena lutar por ela. “Hoje até acho que ela deveria ser maior”.