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Resgate do butiá: espécie ameaçada de extinção mobiliza projeto de restauração no RS
Em Encruzilhada do Sul (RS), cidade com cerca de 26 mil habitantes a 170 km de Porto Alegre, fica o Parque Estadual do Podocarpus. Lá, a Embrapa Clima Temperado implementa um projeto no âmbito da iniciativa Rota dos Butiazais, que fortalece a cadeia produtiva do butiá associada à recuperação dos campos nativos. Com o apoio do GEF Terrestre, realiza ações de restauração e valorização dos butiazeiros no Pampa gaúcho e oficinas comunitárias para a promoção da cultura do butiá.
A restauração dos ecossistemas de butiazais é relevante para a manutenção da diversidade de flora e fauna nativas associadas. Os campos nativos com butiazais abrigam espécies herbáceas com valor forrageiro, ou seja, uma pastagem com qualidade e composta de plantas capazes de produzir forragem para o rebanho bovino e a fauna silvestre. O butiá – ou butiazeiro – é fonte de alimento para animais e pessoas, tem potencial de contribuir comercial e socioeconomicamente para o bem-estar das populações que vivem no domínio do Pampa e é reconhecido pelo valor histórico-cultural e paisagístico.
Butiá é o nome genérico de uma família de palmeiras nativas do Brasil (em que há dez espécies endêmicas), da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. A família é composta de 22 espécies cientificamente conhecidas. Dessas, apenas uma não ocorre no Brasil, onde são encontradas no Pampa, na Mata Atlântica e no Cerrado.
O Pampa corresponde a pouco mais de 2% do território nacional e é o menor entre os biomas do país. A conversão do campo nativo para outros usos vem acontecendo de forma rápida nos últimos anos para monoculturas – como a de soja e a de arroz – ou áreas de silvicultura com espécies exóticas. Calcula-se que já tenha perdido metade da área original. Os campos nativos também são pouco protegidos por unidades de conservação (UC), que cobrem apenas 3% do bioma (MMA/CNUC).
A Rota dos Butiazais é uma rede que conecta pessoas interessadas no uso sustentável destas palmeiras e de seus ecossistemas, estimula a cadeia da restauração do Pampa com as espécies nativas e promove a conservação da biodiversidade dos butiazais para as futuras gerações. Envolve comunidades, extrativistas, artesãos, pequenos, médios e grandes produtores rurais, indígenas, empresários, quilombolas e acadêmicos, que têm em comum o vínculo com o butiá. Um total de 58 municípios integram a rede. Desses, 48 ficam em território brasileiro, seis no Uruguai e quatro na Argentina. No Rio Grande do Sul, são 43 municípios.
Oficinas comunitárias
Apreciada e fonte de alimentos para povos e comunidades indígenas há centenas de anos, a palmeira marca presença na paisagem dos campos nativos, em pátios de casas, praças e jardins, no artesanato, na culinária (na produção de doces, bolos, bebidas e outras especialidades), no consumo in natura e no linguajar cotidiano (como Me caiu os butiá do bolso, que significa “estou impressionado”). A fruta, quando madura, adquire coloração alaranjada e tem polpa doce e tenra.
Em 2022, a cozinheira e pesquisadora Ana Cláudia Heidel participou de uma das 14 oficinas comunitárias realizadas pelo projeto. “É uma fruta que parece tão simples, mas que abrange um universo tão grande”, diz ela.
A Rota dos Butiazais publicou o livro Butiá para todos os gostos, que está disponível gratuitamente com informações, histórias e 141 receitas de chefs e apreciadores do butiá de todo o país.
Restauração dos butiazais
Os butiazais, abundantes no Pampa até cerca de 50 anos atrás, foram aos poucos substituídos por outros usos da terra, e hoje estão listados na lista de plantas ameaçadas de extinção.
Em 2022, o projeto apoiou a restauração com butiazeiros em 10 hectares de campo nativo na zona de amortecimento e entorno do Parque Estadual do Podocarpus. Cinco hectares foram em Áreas de Preservação Permanente (APP) do bioma Pampa nos vinhedos da vinícola Chandon. Para lá, foram transplantados de áreas de florestamento cerca de 2 mil butiazeiros da espécie ameaçada Butia odorata.
As palmeiras transplantadas, com de seis a 15 anos, enriqueceram a área de campo nativo”, ressalta Rosa Lía Barbieri, pesquisadora da Embrapa Clima Temperado e coordenadora do projeto da Rota dos Butiazais.
Os outros cinco hectares em recuperação são de um butiazal extenso, com plantas centenárias, e ameaçado pelo uso intensivo com a pecuária. “Devido à passagem do gado e das roçadas, ficamos preocupados com a sucessão geracional. Então, aplicamos na área uma metodologia que desenvolvemos para a restauração de ecossistemas de butiazais centenários em propriedades rurais privadas fazendo o manejo da pecuária e das roçadas”, conta Rosa Lía. A técnica permite que os butiazais coexistam com a pecuária tradicional em campo nativo.
Nas oficinas comunitárias, a equipe do projeto forneceu 400 mudas de butiá para pequenos produtores rurais. “É somente no envolvimento da comunidade local que conseguiremos ter ações efetivas de restauração e conservação. Ninguém conserva o que não conhece ou valoriza”, destaca Rosa Lía.