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Reforço para os manguezais
Poluição, desmatamento e pesca predatória são ameaças comuns neste ecossistema. Foto: Eduardo Almeida
No último mês de março, os manguezais do estado do Rio de Janeiro ganharam reforços para sua conservação: começaram as atividades de seis iniciativas aprovadas em uma Chamada de Projetos do TAC FRADE, gerenciado pelo FUNBIO, voltada para esse ecossistema. Pelos próximos 24 meses, uma série de estudos científicos e ações de fortalecimento das comunidades pesqueiras vai se desdobrar ao longo dos 14,2 mil hectares de manguezais do Rio de Janeiro.
Na lei, eles estão bem protegidos: desde 1965, os manguezais têm o resguardo do Código Florestal, que os classifica como Área de Preservação Permanente (APP). Mas na prática, a história é outra. Despejo de resíduos poluentes, desmatamento, pesca predatória, atividades industriais e outras frentes em expansão vêm pressionando e modificando suas estruturas. Além de atingir em cheio a biodiversidade local, o pacote de ameaças também impacta comunidades tradicionais extrativistas, que vivem e dependem desses ambientes para subsistência e geração de renda.
É nesse contexto que nasce a chamada de projetos focada nos manguezais. Disponibilizando um total de R$ 4,8 milhões, a iniciativa selecionou propostas que pretendem melhorar a gestão da atividade pesqueira nessas áreas, promover o fortalecimento das comunidades na gestão ambiental e implementar ações consideradas prioritárias pelo PAN Manguezal (Plano de Ação para Conservação das Espécies Ameaçadas e de Importância Socioeconômica do Ecossistema Manguezal).
Os olhos da baía
A geógrafa e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Catia Antonia da Silva, é coordenadora acadêmica de uma das iniciativas contempladas, que objetiva criar um Observatório Socioambiental da Baía de Sepetiba. Desde 2002 trabalhando com pescadores artesanais em contextos urbanos, ela já se debruça sobre a região da baía, na zona oeste do Rio, há pelo menos 10 anos. De lá para cá, começou a participar de mapeamentos sobre cadeia produtiva, conflitos socioambientais e as principais áreas de risco para a pesca artesanal.
Não demorou para perceber que a região merecia atenção mais apurada: considerada um dos principais polos industriais e econômicos do estado, a baía e seus manguezais vêm amargando as consequências de uma expansão urbana desenfreada, sem saneamento básico e com altos índices de poluentes industriais. “É uma região que vem crescendo muito o número de domicílios, terminais portuários e indústrias”, diz Catia.
A velocidade das transformações tornou nítida a necessidade de se ter um retrato mais amplo sobre as mudanças que vêm ocorrendo por ali. Só assim seria possível conscientizar os diversos setores e construir ações e políticas públicas para frear esses impactos. É daí que nasce a proposta de um observatório participativo, que concentre um amplo acervo de dados e gere subsídios para a proteção dos manguezais.
“Já havia um desejo por parte da academia e das lideranças de pescadores de organizar as informações disponíveis para se saber, por exemplo, o tamanho da poluição, quais áreas são mais impactadas, se há redução do tamanho dos manguezais etc.”, explica Catia. “Existem muitas experiências de observatório socioambiental na Amazônia. Mas no Rio de Janeiro isso era inédito”.
Para dar conta do desafio, foi montado um consórcio robusto, interdisciplinar e interinstitucional: mais de 30 pesquisadores de diversas universidades – entre geógrafos, químicos, historiadores, engenheiros cartográficos – vão alimentar, por meio de dados, a plataforma digital do observatório. E as informações em tempo real também chegarão de outra grande frente: 13 associações e colônias de pescadores começam em breve a participar de oficinas de letramento digital para aprender a incluir, eles próprios, os dados que trazem do mar.
“Teremos a academia produzindo informações técnico-científicas e, ao mesmo tempo, vamos prestar atenção ao que dizem os saberes populares. Uma coisa é o conhecimento de quem está no litoral. Outra coisa é você ‘andar’ pelas águas. Com certeza eles têm muitas contribuições para o saber acadêmico”, diz Catia.
Só o observatório já seria bastante ambicioso. Mas o projeto ainda quer ir mais longe. Guiada pelo 14o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU – Vida na Água, a iniciativa pretende usar os dados reunidos na plataforma e, a partir do segundo ano, fazer uma campanha de mobilização chamada “Agenda 2030 da Baía de Sepetiba”. A ideia é construir uma arena de debate e de ações projetadas para a próxima década, que sejam pactuadas entre lideranças pesqueiras, academia, empresas e órgãos públicos.
Ainda há muito trabalho pela frente. Mas ao fim do projeto, um grande passo será dado para um ecossistema igualmente grandioso. “Essas eram demandas antigas, que só agora estamos conseguindo implementar em toda sua plenitude”, comemora Catia.