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Por nós, para nós
No processo de mentoria, além das oficinas os consultores fizeram visitas às comunidades. Foto: FUNBIO
Foram dois dias de oficina e oito semanas de mentoria para que as ideias e sonhos pudessem chegar à terra firme. Com apoio de consultores em um processo seletivo inédito do FUNBIO, pescadores artesanais do estado do Rio de Janeiro elaboraram – e agora lideram – seus próprios projetos de educação ambiental. São 12 iniciativas no total, e um legado de conhecimento que deve continuar reverberando para muito além deste número. “Não podemos mais ver editais que já queremos participar. Agora ninguém segura a gente”, diz o pescador José Carlos Teixeira, mais conhecido como Zezeco.
No início do processo, Zezeco não levou muita fé. “A gente está cansado de ouvir promessas não cumpridas”, diz ele, à frente da Associação de Pescadores no Parque das Garças Integrada (APESCARPGIN), em um distrito de Arraial do Cabo. Mas com as oficinas, o auxílio de consultores e a troca com outros pescadores, ele foi alimentando sua confiança e conseguiu colocar de pé uma proposta que vai beneficiar mais de 70 pescadores de sua comunidade. “A ficha não caiu quando nosso projeto foi aprovado”, conta.
A ficha pode não ter caído, mas os recursos sim. E se os projetos nasceram dos anseios das próprias colônias de pescadores, são elas também que fazem a gestão direta dos valores recebidos. “É muito importante esse incentivo de fortalecer as comunidades da pesca”, ressalta o pescador Evanildo Azeredo Sena, que coordena a iniciativa recém-aprovada Nosso peixe, nosso suor, nosso preço, em Arraial do Cabo. “É difícil chegar verba para as comunidades, e a gente agora está vendo isso acontecer, o que é um grande avanço”.
Independência
Mais do que dinheiro, as comunidades pesqueiras participantes do processo seletivo ganharam autonomia. E autonomia é palavra de ordem para quem vive da pesca artesanal no Brasil: com uma histórica falta de incentivos e de estrutura que frequentemente os torna reféns de atravessadores, os pescadores buscam romper com esse sistema que sempre lhes foi imposto. “Nosso objetivo é estruturar a pesca e tirar essas algemas, para sermos donos do nosso próprio peixe”, diz Evanildo.
Foi pensando nisso que a Colônia Z-5, de onde ele faz parte, resolveu elaborar um projeto para a instalação de uma fábrica de gelo na Marina dos Pescadores, em Arraial. É ali que chegam cerca de 50% das embarcações de pesca da cidade.
Além da fábrica, serão implementadas câmaras frias nas três principais comunidades pesqueiras da região. Se antes os pescadores artesanais tinham de pagar o mesmo valor dos turistas para comprar gelo de atravessadores, agora poderão conservar seu pescado com gelo produzido pela própria colônia. “Vamos abastecer as comunidades com o gelo da fábrica, e o que sobrar nós vendemos aos turistas. Além de reduzirmos muito os gastos, nosso peixe vai chegar mais fresco ao mercado”, comemora Evanildo.
A 12 quilômetros dali, os pescadores da APESCARPGIN também buscam driblar os atravessadores. No projeto elaborado pela comunidade, a proposta é erguer um entreposto de pesca que vai funcionar como sede para diversas atividades. Foi-se o tempo em que os membros da associação carregavam facas e tábuas para limpar e tratar o pescado na beira da lagoa: a partir de agora, eles terão uma unidade de beneficiamento especialmente para isso.
O local ainda vai servir como ponto de venda, além de abrigar oficinas e até festas tradicionais – porque é dividindo conhecimento e celebrando junto, ensinam, que se fortalece o espírito comunitário. “Vai ter trabalho e renda para todo mundo”, antecipa Zezeco. “Com este entreposto, não teremos mais os atravessadores nas nossas costas dando o preço de venda: vamos fazer o nosso preço e vender o peixe a quem quisermos. Vai ser um grande passo para nós!”.
No Rio de Janeiro, os pescadores da Colônia Z-13 também estão animados. Resistindo há décadas na movimentadíssima praia de Copacabana, eles já enfrentaram a explosão imobiliária, a poluição do mar, tentativas de expulsão pelo poder público, mas continuam ali, agarrados a seu território. E para continuar anunciando novos tempos à comunidade, colocaram de pé um projeto que pretende reestruturar o local com a compra de equipamentos, além de oferecer atividades de capacitação e formação de jovens pescadores.
“Hoje, eu e os outros pescadores mais antigos estamos sustentando isso aqui como uma coluna. Mas precisamos de continuidade, por isso convidamos os jovens para esse processo de qualificação, para que eles próprios sejam a sustentabilidade da colônia”, diz o atual presidente da Z-13, José Manoel Pereira Rebouças, feliz da vida com a aprovação do projeto que ele próprio ajudou a criar.
“Aprendi muito com o processo de mentoria, pois às vezes a gente tem várias ideias e sonhos na cabeça mas não consegue trazer para a realidade”, diz. Ele trouxe. E isso não tem preço: “É uma gota de ânimo para aqueles que querem sobreviver das águas”.