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Pesquisa inédita testa efeitos das madeiras nativas da Caatinga no envelhecimento de vinho
Inserir espécies nativas de frutas, ervas e árvores numa cadeia de mercado, é um dos caminhos que ajudam a promover a valorização da diversidade natural do país. E nada mais brasileiro do que a Caatinga, único bioma exclusivo do Brasil. Ainda assim, o semiárido mais biodiverso do mundo sofre com uma visão equivocada que tende a associar o bioma à escassez. Para demonstrar o inverso, o engenheiro florestal Itaragil Venâncio Marinho dedicou sua pesquisa de doutorado, com apoio do programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro, a testar como duas madeiras nativas da Caatinga podem ser utilizadas para o envelhecimento do vinho.
“Nós aqui no interior do Nordeste vemos muito a degradação da Caatinga por falta de saber olhar e valorizar esses recursos. A Caatinga é muito diversificada”, destaca Itaragil, doutorando da Universidade Federal da Paraíba (UFB), e selecionado na primeira edição do programa de Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro, de 2018. “As cachaças envelhecidas em madeiras nativas, por exemplo, têm um valor agregado maior no mercado. E ninguém tinha testado com vinho. Foi assim que nasceu a ideia de tentar resgatar o valor madeireiro e florestal da Caatinga por meio do uso de um recurso natural para um fim mais nobre”, completa.
A madeira do barril em que o vinho é armazenado influencia o sabor da bebida. A mais comum para esta finalidade é o carvalho, árvore nativa do norte global. No caso da pesquisa de Itaragil, o teste foi feito com duas espécies: a amburana (Amburana cearensis), muito usada na carpintaria, e a craibeira (Tabebuia aurea), usada na fabricação de papel e para cabos de vassouras, ambas nativas da Caatinga. Elas são consideradas de “madeira-branca”, de menor resistência e mais maleáveis, assim como o carvalho.
“A amburana é uma árvore que não sobrevive em áreas degradadas, por exemplo. Então para poder fazer esse manejo sustentável da madeira é necessário preservar a Caatinga”, ressalta Itaragil.
Assim como o sertanejo, já diria Euclides da Cunha, as madeiras nativas da Caatinga também demonstram que são fortes. Um dos resultados da pesquisa de Itaragil mostra que o teor de extrativos (compostos presentes nas árvores que interagem com a bebida durante o envelhecimento) das madeiras nativas é até quatro vezes maior que a do carvalho. Por isso, para não descaracterizar o vinho, é necessário diluir a bebida envelhecida em amburana ou craibeira, com vinhos não envelhecidos.
“Durante o envelhecimento, as madeiras da Caatinga influenciaram o vinho não só físico-quimicamente, com mudanças na coloração da bebida, mas também na composição química, com o surgimento de compostos que não existiam no vinho. Apareceram aromas e sabores diferentes, que o mundo do vinho chama de terroir, algo que define bebidas únicas”, conta o engenheiro florestal.
Para fazer as comparações, os técnicos provaram inicialmente a bebida original, não envelhecida. Em seguida, o vinho envelhecido no padrão da vinícola, em barris de carvalho. E, por último, bebiam o vinho que passou pelo envelhecimento com madeiras nativas da Caatinga. Foram feitas análises de 4 em 4 meses, até chegar em 12 meses máximo de armazenamento.
Durante a pesquisa, Itaragil contou com apoio da Embrapa em Petrolina (PE) – a cerca de 800 quilômetros de João Pessoa (PB) – e de uma vinícola do vale do Rio São Francisco, região foco da produção de vinho no Nordeste. Para realizar as análises necessárias, entretanto ele precisou ir até a outra ponta do Brasil, no município gaúcho de Bento Gonçalves, onde teve o suporte fundamental de um centro da Embrapa voltado para uvas e vinhos.
“No Brasil ainda não temos um centro de excelência onde seja possível fazer tudo, mas a gente conseguiu fazer muita coisa graças ao apoio do FUNBIO”, afirma.
Além da logística custosa, ele teve que lidar com o desafio da pandemia, que fechou laboratórios, restringiu viagens e impediu a realização das análises sensoriais que ele pretendia incluir, junto ao público consumidor, para testar a viabilidade dos vinhos catingueiros entrarem no mercado. “Acabamos ficando só com o painel técnico da própria Embrapa e mesmo assim com todo o cuidado para não ultrapassar os limites que as autoridades sanitárias colocaram”, explica Itaragil. O engenheiro acredita, entretanto, que novas pesquisas podem construir um caminho para que estes vinhos, envelhecidos em barris de madeira da Caatinga, entrem no mercado.
A apresentação da tese de doutorado sobre a avaliação do vinho envelhecido em madeiras nativas da Caatinga será feita em 2023.