Notícias
Na linha de frente
Pré-pandemia: o oceanógrafo Eduardo Secchi em um dos trabalhos de pesquisa de campo no Sul do país. Crédito: Arquivo pessoal
Quando a pandemia da COVID-19 chegava ao terceiro mês e dezenas de milhares de mortos no Brasil, o município de Rio Grande (RS) havia enterrado apenas uma vítima fatal. Apresentando os menores números de casos entre as cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes, Rio Grande tem contado com uma parceira fundamental no controle do coronavírus: a Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
“Viramos referência na cidade e na região”, conta o oceanógrafo e pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da FURG, Eduardo Secchi, que hoje divide-se entre os trabalhos de pesquisa e conservação da toninha e o novo coronavírus. Da produção de máscaras e álcool em gel ao conserto de leitos e diagnóstico da doença, nos últimos meses a universidade empregou suas diversas áreas de conhecimento no combate à pandemia.
Dedicando-se há mais de 30 anos à pesquisa e conservação de mamíferos marinhos na FURG, Eduardo Secchi é uma das pessoas que vêm articulando esses esforços dentro do campus universitário. Com tanto tempo de casa, ele sabe muito bem o potencial de serviços que a ciência tem a oferecer à sociedade.
Desde 2006 comandando o Laboratório de Ecologia e Conservação da Megafauna Marinha (ECOMEGA), Eduardo chegou à FURG no final da década de 1980, uma época em que pouquíssimos olhavam com solidez para os mamíferos marinhos da região. Ainda calouro na universidade e já decidido a trabalhar com o tema, reuniu alguns amigos e começou a percorrer as praias para monitorar as espécies. Conseguiu dados inéditos. E foi voltando seu foco de atenção para as toninhas, que já se mostravam ameaçadas.
A dedicação dos meninos naquele período foi tanta que o então diretor do Museu Oceanográfico da FURG ofereceu a Eduardo um espaço para montar um laboratório. Aí a semente germinou com força: “Foi ali que desenvolvi o início da minha carreira”, conta o pesquisador, que nunca mais tirou os olhos do mar.
Impulsionado pela academia, em 1992 ele já conseguia recursos da ONU para fazer um primeiro diagnóstico da captura acidental das toninhas na região. Na sequência, consolidou o acompanhamento da frota pesqueira e também encabeçou a primeira estimativa de abundância da espécie. No meio de tudo isso, ainda sobreviveu à queda de um avião durante um monitoramento aéreo dos animais: passou 8 horas no mar aguardando socorro.
À frente de uma das iniciativas de conservação da toninha na FURG, Eduardo Secchi hoje também dedica seu tempo ao combate da COVID-19. Crédito: Arquivo pessoal
Tantos anos de estrada, desafios e muita labuta permitiram um retrato mais fiel da situação das toninhas atualmente. “Percebemos que o problema era muito maior do que os pesquisadores antes pensavam”, diz. Por isso mesmo, as pesquisas e ações voltadas para o pequeno cetáceo continuam ainda hoje a todo vapor.
Na coordenação do projeto Avaliação da eficiência da INI 12/2012 e proposta de manejo pesqueiro integrado para a conservação da toninha e seu ecossistema no Rio Grande do Sul, Eduardo só acionou o freio nos trabalhos quando a pandemia da COVID-19 começou a ganhar terreno no Brasil, em março. Mas logo criaram-se estratégias para que as pesquisas não parassem por completo.
“No início do isolamento social, focamos mais nas análises de dados, produção de artigos e dissertações, atividades que podem ser feitas remotamente. E aos poucos planejamos um uso controlado e organizado do laboratório, com rodízio de pesquisadores, para não perdermos amostras e informações científicas”, explica Eduardo.
Uma outra parte da iniciativa, que envolve atividades de campo e articulação com pescadores, por enquanto está suspensa. “Um de nossos objetivos é construir de forma participativa uma proposta de redução de mortalidade das toninhas. É uma parte essencial do projeto, que precisaria de uma situação de normalidade para continuar. O mapa da COVID-19 em Rio Grande mostra que os maiores números de casos na cidade estão concentrados justamente nas comunidades pesqueiras. Então decidimos não colocar as pessoas em risco neste momento”, avalia Eduardo.
O oceanógrafo tem consciência da necessidade de concentrar agora os esforços da universidade no combate à pandemia. Até porque, quanto mais rápido ela passar, mais rápido voltam ao normal as atividades de pesquisa e conservação. Enquanto o temporal não cessa, Eduardo espera que o momento crítico ao menos dê à ciência o lugar que ela merece.
“A produção de conhecimento científico no Brasil está concentrada nas instituições públicas, e isso agora tem ficado mais claro nos noticiários. Aqui em Rio Grande os especialistas da FURG vêm ajudando os governos a tomarem decisões diante da crise da COVID-19”, diz Eduardo, sem esconder um lamento: “É uma pena que a gente precise de uma pandemia para que a sociedade comece a enxergar a relevância das universidades”.
Texto originalmente produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a newsletter “Linhas do Mar” para divulgação do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira e do Projeto Conservação da Toninha.