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Mulheres na ciência
Desde o ano passado, o dia 11 de fevereiro passou a fazer parte do calendário de eventos das Nações Unidas como o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. A data vem chamar atenção para mais um histórico abismo de gênero: de acordo com a ONU, cerca de 30% dos pesquisadores nas áreas científica e tecnológica são mulheres. E o Brasil segue a tendência mundial. Por aqui, segundo levantamento do CNPq, apenas 24% das bolsas mais altas de produtividade em pesquisa são destinadas ao gênero feminino.
Nascida em Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro, Lara Gama Vidal, de 34 anos, ajuda a subir essas porcentagens. Formada em Oceanografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com Mestrado e Doutorado no currículo, já faz mais de 15 anos que ela se dedica à área científica. Isso não significa, porém, que nunca tenha sido afetada pelas disparidades de gênero. “Quando eu era mais nova pensava em cursar veterinária, mas acabei desistindo porque queria trabalhar com cavalos e vi que era um campo que não tinha espaço para mulheres”, conta.
Depois da desilusão, Vidal deu a volta por cima e acabou encarando a faculdade de oceanografia. Ali, também notou que as mulheres raramente ocupavam espaços de poder. “De maneira geral, os cargos de coordenação eram de homens”, recorda. “Acho que acaba havendo um certo protecionismo, como se as meninas não conseguissem chegar a essas posições”.
Mas nada disso a desanimou. Seguiu em frente e hoje já sente algumas mudanças desde que começou a mergulhar de cabeça na ciência. Atualmente ocupando o cargo de gerente técnica em uma das iniciativas do Projeto Conservação da Toninha, voltado para o golfinho mais ameaçado do Brasil,é ela quem garante que todas as áreas de pesquisa conversem entre si e funcionem sem ruídos. Ccomo em uma grande orquestra.
Há mais de dez anos sem um amplo estudo que avalie a distribuição e a abundância d toninhas entre o Norte de São Paulo e o Sul de Santa Catarina, a iniciativa da Associação Mar Brasil está atualizando esses dados por meio de sobrevoos, monitoramento de praia e entrevistas com pescadores.
“Sou a pessoa que faz com que essa logística aconteça. Olho de fora e faço o gerenciamento para que todas as frentes sigam juntas e em frente”, explica. “No projeto temos bastante homens e mulheres trabalhando com a gente, e nunca fui desrespeitada ou tive que me impor. Temos consultoras, monitoras com filhos e acho que a presença de mulheres acaba deixando tudo mais leve”.
Conciliando as atividades do projeto com um filho de cinco meses, Vidal espera ser um exemplo dentro de casa. “A melhor coisa de se ter mulheres na ciência é a representatividade. Precisamos mostrar para nossas crianças que elas podem ser o que quiserem, sem estereótipos e independentemente de serem meninos ou meninas”, diz.
Sem referências
Se as novas gerações de meninas já têm hoje mais exemplos para se inspirar e seguir, não era assim até pouco tempo atrás. Com 28 anos de idade, a bióloga marinha Juliana Fonseca, do projeto Costão Rochoso, precisou transpor sozinha os muros da academia: ela foi a primeira mulher em sua família a entrar para uma universidade federal, a fazer mestrado e a se tornar cientista.
“Recentemente comecei a me perguntar de onde tirei esse negócio de ser cientista, e percebi que não tinha essa memória. Não tive exemplos de mulheres que seguiram este caminho, até então minhas referências eram apenas masculinas. Faltava alguém que me representasse nesse sentido”, diz. “Então acho que entrei nesse ramo porque sempre fui muito curiosa mesmo”.
Ela decidiu seguir adiante. Mas o machismo estrutural que se espraia pelos meios científico e acadêmico seguiu ecoando por muito tempo na vida de Juliana. “Não comecei a faculdade achando que eu seria pesquisadora, porque não sabia o que era ser pesquisadora. Tive pouquíssimas professoras mulheres, e a produção de conhecimento dentro dos laboratórios, nas atividades de campo também era dominada por homens”, conta. “Só durante o mestrado fui perceber que eu já era uma pesquisadora há muito tempo”.
Hoje totalmente consciente dessas desigualdades, a bióloga faz o possível para que as meninas que vêm depois dela não passem pelas mesmas barreiras. Responsável por desenvolver as atividades de educação ambiental no projeto Costão Rochoso, Juliana leva informações sobre o sistema recifal da Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo para escolas, praças e universidades.
Carregando sua própria história de vida para as palestras e oficinas que desenvolve, ela procura sempre mostrar às estudantes que as universidades públicas são para todas e todos. “Eu não tinha percebido o poder do lugar em que eu estava até que uma aluna do ensino médio veio falar comigo depois de uma palestra. Ela queria entender como cheguei à universidade, quais caminhos eu trilhei”, recorda. “Sempre conto minha trajetória e tento ir quebrando o estigma de que mulheres não podem fazer ciência”.
A presença delas nos espaços de pesquisa e produção de conhecimento, diz Lara Gama Vidal, apenas expande o olhar científico. “Não precisamos abrir mão de quem somos. Da mesma forma que é interessante ter equipes multidisciplinares, é importante ter homens e mulheres atuando juntos, pois cada um consegue enxergar as coisas de maneiras diferentes”.
Juliana concorda, e diante de suas conquistas garante que não dá mais nenhum passo atrás. “Hoje tenho certeza de que quero ser pesquisadora trabalhando com biologia marinha. Ainda não vejo muitas mulheres coordenando áreas, projetos, dando aulas. Onde elas estão? Por que ainda não estamos chegando nos mesmos espaços que os homens?”, questiona. “Eu quero chegar lá, e não vou deixar machismo nenhum dizer que não vou ser o que eu quero ser. Tenho em mim o peso de todas as mulheres que vieram antes para que hoje eu esteja firme ocupando esses lugares”.
Texto originalmente produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a newsletter “Linhas do Mar” para divulgação do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira e do Projeto Conservação da Toninha.