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Microplásticos e mudanças climáticas no horizonte amazônico
Foto: Arquivo pessoal
Eles estão na neve do Ártico, nos mares do mundo e, também, nos rios e riachos da Amazônia: microplásticos, resultado da degradação de partes maiores de plástico e presentes também em resíduos industriais, são um dos eixos de uma pesquisa da bióloga Viviane Caetano, da Universidade Federal do Pará (UFPA), apoiada pelo Bolsas FUNBIO. O estudo aborda com ineditismo duas ameaças invisíveis à biodiversidade e preencherá uma lacuna em relação ao conhecimento que se tem sobre elas e a Amazônia: a combinação de microplásticos com mudanças climáticas.
“Estudos sugerem que o aumento da temperatura global impacta negativamente insetos fragmentadores, alimento para outras espécies, e que, como indica o nome, também fragmentam folhas caídas na água. Elas seguem por cursos d´água, desembocam em rios e, uma vez decompostas, geram nutrientes fundamentais para a vida. Outras pesquisas também indicam que o microplástico afeta insetos com a mesma função. E, ainda, que é encontrado em peixes consumidos pelo homem. O ineditismo desta pesquisa é avaliar o impacto simultâneo desses dois elementos: aquecimento global e poluição por microplásticos na Amazônia”, diz a cientista amapaense.
Para entender esse ciclo, é importante conhecer o que ele envolve: o ponto de partida são riachos em que folhas da floresta caídas na água dão início a uma extensa cadeia. Uma vez imersas, as folhas são colonizadas por fungos, que transformam parte delas em nutrientes e as tornam mais palatáveis para os chamados insetos fragmentadores. No fundo dos riachos, as folhas são fragmentadas por esses insetos, o que facilita sua viagem por cursos d´água, ao longo dos quais é replicado esse ciclo de geração de nutrientes.
É como se, por onde passassem, as folhas fragmentadas funcionassem como combustível para a produção de nutrientes. O estudo vai determinar o que pode acontecer quando a temperatura aumenta e, simultaneamente, esses insetos são expostos a diferentes concentrações de microplástico. Caso essa exposição conjunta reduza as populações, o efeito cascata possível é a redução de nutrientes, o empobrecimento da vida nos rios, com impacto sobre renda e segurança alimentar de populações que dependem de recursos pesqueiros na Amazônia. Insetos e fragmentos de folhas contaminados significam também um elemento de insegurança na cadeia alimentar: as espécies predadoras no topo da pirâmide, de maior valor comercial, acumulariam microplástico, que terminaria à mesa dos consumidores.
Viviane coletará larvas do Phylloicus elektoros (inseto fragmentador) na Reserva Florestal Adolpho Ducke, em Manaus. Em laboratório, elas serão expostas a aumento de temperatura, segundo projeções para 2100 em Manaus: +1,5C, +3C, +4,5C, e também a uma maior exposição a carbono. As larvas serão alimentadas com folhas preparadas de Goupia glabras (cupiúba), que ocorre com frequência na região. Também será introduzido microplástico em diferentes concentrações. Ao final, será possível avaliar os impactos segundo temperatura, carbono e microplástico, gerando subsídios para possíveis modelos de previsão e, também, políticas públicas para mitigar o problema.
“Espero que os olhares se voltem para a questão da educação ambiental, pois estamos falando do legado para futuras gerações. A ideia é que não seja só um dado acadêmico. Ao fim da pesquisa, gostaria de divulgar os resultados junto à população, contar que o lixo plástico jogado nos rios pode afetar um inseto que por sua vez pode afetar a alimentação das pessoas”, diz Viviane, que realiza o estudo Efeito das mudanças climáticas e microplásticos sob fragmentadores de riachos amazônicos e decomposição microbiana de detritos foliares. A parte laboratorial da pesquisa da doutoranda na UFPA será feita no INCT-Adapta, Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, bem como no Laboratório de Citotaxonomia de Insetos Aquáticos (LACIA)/ Inpa, em Manaus.
Microplásticos, cujos estudos em ambientes aquáticos têm o mar como foco na maioria das pesquisas, já foram detectados em peixes na Amazônia pela UFPA, e em sedimentos dos rios Negro, Solimões e Amazonas, por cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Diadema, e da Universidade de São Paulo (USP).