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Um projeto de vida
Uma das memórias mais antigas que Adriana Moreira tem é do pai lhe mostrando de perto umas formigas. Ainda criança, ficou impressionada com aquela turminha que, apesar de miúda, conseguia construir grandes coisas coletivamente. Adriana cresceu e seguiu o aprendizado: num trabalho de costura e articulação entre inúmeros atores, fez nascer dentro do Banco Mundial o maior e mais complexo programa de conservação de florestas que a instituição já havia apoiado.
“Ninguém tinha sonhado tão grande até então. Éramos um grupo de doidos idealistas”, acha graça a bióloga, que hoje é especialista sênior de Meio Ambiente no Banco Mundial. “O ARPA (Programa Áreas Protegidas da Amazônia) virou uma coisa muito maior do que qualquer um poderia imaginar na época”, diz. Tão grande que virou seu projeto de vida na conservação de florestas, como ela própria gosta de dizer.
Quem abraça um programa dessa magnitude deixa claro que não quer pouco de seus dias. Depois de deixar sua terra natal no Vale do Jequitinhonha, ao Norte de Minas Gerais, Adriana se formou em biologia na UnB, fez mestrado em ecologia na Unicamp e cruzou a fronteira do país para trabalhar como pesquisadora: recebeu uma bolsa de estudos e perseguiu o diploma de Doutorado em Harvard. “Era uma época com poucas mulheres no meu laboratório em Cambridge”, diz.
Largou emprego seguro e resolveu voltar ao Brasil na primeira metade da década de 1990, quando foi pioneira na fundação de ONGs e institutos independentes de pesquisa, num período em que as organizações ambientais ainda engatinhavam por aqui. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) são apenas algumas das instituições que receberam sua contribuição. “Sempre acreditei na importância de se construir instituições sólidas. Eu quis voltar para o Brasil pois fui educada aqui e queria dar minha contribuição para o país”, explica.
No Banco Mundial, ainda como consultora independente, participou da equipe que criou o FUNBIO. Fez o serviço tão bem feito que logo foi convidada pela instituição financeira para voltar. Desta vez, com o objetivo de criar o maior programa de florestas tropicais do mundo, que até então não passava de uma grande ideia.
“No início do ARPA era basicamente o WWF, o GEF (Global Environment Facility) e o Banco Mundial. E nós puxando o trio elétrico lá na frente”, conta ela, que ajudou a atrair parceiros, doadores e a definir o arranjo institucional do programa. “Quando entrei no Banco Mundial eu escrevia propostas para conseguir dinheiro para o país. Faço isso até hoje: vivo construindo projetos para financiadores investirem, com a segurança de arranjos institucionais inovadores, em projetos de conservação e de desenvolvimento sustentável”.
Se quisesse seguir a rota tradicional e fazer carreira na instituição financeira, Adriana provavelmente teria ido viver e trabalhar em outras regiões do mundo, como Ásia e África. Mas ela entendeu que seu lugar era aqui: “Fiz a carreira do coração”, diz, referindo-se ao ARPA e aos outros projetos que fez nascer depois dele.
Os pés fincados em seu país de origem não impedem que seus olhos enxerguem além: desde que o ARPA nasceu e se consolidou como um dos mais importantes programas de conservação de que se tem notícia, Adriana se tornou uma irradiadora dessa experiência pela América Latina – e no próprio Brasil. “Depois do ARPA veio tanta coisa… Tenho programas no México, na Colômbia, no Peru… Tem o Projeto Áreas Marinhas Protegidas (GEF MAR)”, ela vai listando.
A difusão do modelo e dos conhecimentos que o ARPA trouxe é um caminho natural. Afinal, não é qualquer programa que sobrevive a inúmeras trocas de governo e depois de 16 anos continua inabalável. “Uma das forças do programa é sua governança participativa, com representantes da sociedade civil, do governo, do setor privado. Mesmo depois de tanto tempo, esses mecanismos ainda são inovadores, porque são poucos os programas de governo que têm essa transparência e participação”, diz.
Adriana não tem dúvidas de que o ARPA só se tornou possível pela liderança e pelo trabalho de tantas formiguinhas que resolveram se unir. Colocar essa fortaleza de pé, diz ela, custou noites de insônia e algumas lágrimas derramadas. Mas mesmo no cansaço, o ARPA segue ecoando fundo nos dias e noites da bióloga. “Recentemente nós criamos o conceito ‘ARPA para a Vida’, um fundo de transição desenhado para ir até 2039”, diz ela, cheia de disposição. “Eu estarei lá nas reuniões de conselho, e continuarei sonhando muito!”.