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Mapeamento pioneiro revela biodiversidade de habitats da APA dos Corais
O ambiente marinho ainda hoje é pouco conhecido pela ciência. O próprio fundo do mar é uma incógnita em certas partes do oceano. Parte desse vazio de informações está no mar brasileiro, onde as águas mais turvas, com muitos sedimentos, dificultam o mapeamento do fundo e dos recifes de corais que ali ocorrem. A geógrafa Julia Caon Araújo, bolsista do Programa Bolsas FUNBIO em 2021, decidiu jogar luz sobre parte desse quebra-cabeça oceânico e mapear a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, localizada no litoral do nordeste, entre os estados de Alagoas e Pernambuco. Os dados coletados pela pesquisadora, disponibilizados publicamente online, ajudarão a construir um importante Atlas Recifal do Brasil.
O trabalho da brasileira foi baseado no Allen Coral Atlas, mapeamento global de corais, e considera três informações: profundidade, geomorfologia – o relevo – e bentônico, que é o tipo de fundo.
Por satélite a pesquisadora coleta a batimetria (medição da profundidade dos oceanos) e imagens da APA. Depois, a geógrafa vai a campo para coletar dados de profundidade e capturar fotos submarinas georreferenciadas de cada tipo de ambiente: corais, banco de areia, grama marinha… Com esse material, ela alimenta um modelo que, de forma automatizada, procura áreas similares. Ao todo, a pesquisadora utilizou 254 imagens de satélite para fazer esse processamento.
“Foi um processo muito difícil porque é um projeto grandioso. E o trabalho de campo é super importante porque são os dados coletados em campo que validam o processamento das imagens de satélite”, explica Julia Caon, que ainda está com sua pesquisa de doutorado em andamento. A geógrafa trabalha em parceria com o Projeto Conservação Recifal e a própria APA; e conta com o apoio do FUNBIO e da Rufford Foundation.
A APA Costa dos Corais é a maior unidade de conservação federal marinha do país. São mais de 400 mil hectares de área e cerca de 120 quilômetros de litoral entre os estados de Alagoas e Pernambuco. A fauna inclui espécies ameaçadas como o peixe-boi marinho (Trichechus manatus).
“Não havia nenhum levantamento batimétrico ou qualquer mapeamento específico na APA Costa dos Corais e ter essas áreas mapeadas é super importante. Todos os mapas geraram áreas quantificáveis, então com eles é possível saber a extensão total de corais, de grama marinha, por exemplo. E essa é uma informação muito rica para fiscalização e conservação, pois ajuda a concentrar as ações em áreas-chave”, destaca Julia.
Além disso, as informações sobre o relevo marinho e o tipo de fundo estão diretamente associadas à biodiversidade. É nas áreas de gramas marinhas, por exemplo, que se concentram os peixes-boi. Além disso, regiões mais biodiversas em termos de habitat tendem a ter estoques pesqueiros maiores.
Com ajuda dos próprios moradores locais, a pesquisadora definiu áreas estratégicas na APA, onde é proibido o turismo e a pesca, que concentram maior biodiversidade. Ao todo, já foram mapeados três municípios alagoanos (Maragogi, Barra de Santo Antônio e Porto de Pedras). Um quarto campo está previsto para outubro em Japaratinga, para finalizar a etapa de levantamento com batimetria em detalhe.
“Isso é importante porque hoje no Brasil não existe nenhum mapeamento, nenhum atlas de recife em alta resolução e esse trabalho vem pra suprir essa falta de informação. Hoje a APA Costa dos Corais é a unidade de conservação marinha mais mapeada do Brasil”, destaca a bolsista do FUNBIO.
As informações não têm apenas finalidade científica, explica Julia, mas também são importantes para educação e conscientização ambiental, para as pessoas conhecerem a área em que vivem e trabalham. “E esse trabalho foi construído junto com a população local, junto a pescadores, jangadeiros que compartilharam comigo seu conhecimento”, acrescenta.
Outra perspectiva é justamente usar o levantamento para fazer uma cartografia social da APA, com a identificação dos corais nomeados há gerações, as praias e os pontos conhecidos pela população local.
Dois mapas iniciais já estão disponíveis online (acesse aqui e aqui). A disponibilidade online é um dos principais ganhos do projeto, garante a geógrafa, que aponta a necessidade de que as unidades de conservação possuam um banco de dados geoespaciais acessível.
“Isso é importantíssimo porque por meio do conhecimento das nossas áreas a gente consegue conservar melhor. Esses dados estão disponíveis para qualquer pessoa acessar, desde agentes de turismo, guias de mergulho, até pesquisadores e os próprios gestores da APA. O principal foco desse mapeamento é justamente trazer um retorno para a unidade de conservação e para a população local”, destaca Julia Caon.
Os mapas da APA da Costa de Corais são apenas as primeiras peças do quebra-cabeça marinho do Brasil, espera a pesquisadora. “Quero que esse trabalho estimule o mapeamento de outras áreas recifais do país como Abrolhos, Fernando de Noronha, Atol das Rocas e uma infinidade de áreas recifais que precisam ser mapeadas e conhecidas em detalhe. Principalmente diante do futuro de mudanças climáticas, é necessário conhecer e monitorar o estado de saúde dos nossos corais para ficar atento a episódios de branqueamento, por exemplo”, reforça. “Para isso, entretanto, é necessário incentivo nacional e políticas públicas”, completa.