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Lembrar do passado para construir o futuro: oficina do TFA reúne gerações
Foto: Associação Floresta Protegida/Acervo pessoal
Em meio à pluralidade de culturas, como indígenas podem atuar para não perder sua os conhecimentos transmitidos por gerações? Essa foi uma das principais questões levadas ao povo Kayapó durante a primeira oficina do projeto Tradição e Futuro na Amazônia em parceria com a Associação Floresta Protegida (AFP). A atividade aconteceu na aldeia A’ukre, na Terra Indígena Kayapó (PA), e envolveu mais de 90 indígenas, entre homens e mulheres, que participaram da festa Bep, uma das maiores e mais tradicionais celebrações da etnia.
Para levantar o tema entre os jovens, a AFP promoveu rodas de conversas para troca de saberes, histórias e mitos da etnia (confira abaixo um dos mitos que foram contados durante a oficina), além de fortalecer o trabalho e o modo de vida dos Kayapó como aliados das florestas. “Há grande parte do kukràdjà [cultura] dos antigos que não sabemos. Ouvimos a fala dos nossos anciãos para que nós e as novas gerações possam conhecer”, diz o indígena Tàkàkdjỳ.
A atividade com mulheres também rendeu histórias e tradições do dia a dia das indígenas. A indígena anciã Iperá, uma das convidadas para guiar as conversas, conta que chegou na aldeia ainda adolescente e viu muita coisa mudar. “Eu não gosto de poluição nos rios, não gosto que remexam a terra a procura de minérios, não gosto de desmatamento. Como mulher, estou falando isso para que vocês façam como eu e prezem por isso [terra] para o bem dos seus filhos”, afirmou a indígena anciã Irepá na ocasião.
Mito do gavião-real
Havia uma grande ave, um gavião-real, que capturava pessoas quando elas se afastavam de casa (indo para a roca, buscar lenha, etc.). Certo dia, os irmãos Ngôkõnhõpôk e Ngôkõnkry foram com sua avó andar pelo Cerrado para pegar frutos. Enquanto passavam por uma área de capim denso e alto, transformaram-se em tatu para brincar no capim. Submergiam na vegetação e apareciam de novo em outro ponto. Enquanto estavam distraídos na brincadeira, a grande ave capturou sua avó e a levou para longe. Os meninos voltaram para casa e contaram o sucedido aos outros parentes.
Todos choraram, mas, naquela época, o choro era muito feio. O pai dos meninos resolveu colocá-los no rio – rio Kôkati, o Araguaia – para que crescessem e pudessem vingar sua avó. Colocou-os deitados com a cabeça na beira e o corpo dentro d’agua. Eles foram crescendo com o passar dos dias, até que que seus pés atingiram a outra margem. Como gigantes, deixaram o rio e passaram a se tratar não mais como irmãos, mas como krabjwỳ [uma relação cerimonial que os Mebengôkre traduzem como compadre]. Começaram os preparativos para enfrentar a grande ave que havia lhes privado de sua querida avó. Patỳjte, um tio, construiu para eles uma casa no pé da árvore onde repousava a ave.
Os irmãos, agora kràbdjwỳ, ficaram nessa casa e bolaram um plano para ludibriar a ave e conseguir abatê-la. Um saía da casa, fazia barulho e rapidamente retornava, fazendo com que a ave voasse para checar o que estava acontecendo, mas retornasse ao seu ninho sem descobrir nada. Eles repetiram isso até que ela se cansou e, assim, conseguiram matá-la. Após o feito, cantaram, pela primeira vez, o mẽkurwỳk, uma dança de guerra.