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Gestão das praias em contexto de mudanças climáticas, trabalho urgente e coletivo
Em fevereiro deste ano, as fortes chuvas que atingiram o litoral norte de São Paulo, chamaram atenção para a necessidade urgente de adaptar as cidades para os eventos extremos, que serão cada vez mais frequentes com as já inevitáveis mudanças do clima. Os ambientes costeiros são particularmente sensíveis a essas alterações. No caso das praias, a erosão cada vez mais acelerada é o principal alerta, destaca a bióloga Marina Ribeiro Corrêa, que recebeu apoio do programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro para desenvolver sua pesquisa de mestrado “Serviços Ecossistêmicos e suas vulnerabilidades às Mudanças Climáticas: desafios para a gestão ecossistêmica de praias”, na Universidade de São Paulo (USP).
“O objetivo do meu mestrado foi entender os desafios para implementação da gestão baseada em ecossistemas na praia, em nível local. E por que pensar isso? Porque as praias estão sendo extremamente impactadas, pela erosão, pelas mudanças climáticas, entre outras coisas. E a maneira como elas são geridas atualmente, não garantem a sua sustentabilidade”, explica Marina, que ganhou a bolsa do programa na primeira edição, em 2018.
A gestão baseada em ecossistemas monitora o próprio funcionamento do ambiente natural para propor soluções para o território. No caso das praias, é preciso levar em conta os processos naturais de maré, vento, depósito e retirada de areia, as dunas e restingas e, claro, os impactos humanos – e nada naturais – que também existem no território.
“Quando falamos em mudanças climáticas nas praias, o principal impacto são as erosões costeiras. Muita gente fala do aumento do nível do mar, que as praias vão desaparecer, mas na verdade o que está fazendo as praias desaparecerem é a erosão costeira. Porque o mar vindo com mais força e a mudança nos fluxos de ventos vão levando a praia. Hoje onde temos prédios, antes era restinga, vegetação que segura os sedimentos e permite que a praia se mova. A praia não é um ecossistema fixo. E quando você constrói prédios ou estradas, você acaba com essa dinâmica. Esse processo deixa de acontecer e aí sim você vai falar de erosão costeira em termos da praia desaparecer. Esse é o principal efeito das mudanças climáticas. O mar vai aumentar, mas a areia está sendo levada embora”, ressalta a bióloga.
As praias desempenham um importante serviço de proteção da costa, além da manutenção da biodiversidade e de serem um espaço para lazer e ecoturismo. De acordo com levantamento do MapBiomas divulgado no final de 2022, entre 1985 e 2021, a cobertura de dunas e praias no Brasil foi reduzida em 15%. O principal motivo dessa perda foi a pressão do mercado imobiliário.
Um levantamento do Programa de Geologia e Geofísica Marinha, publicado em 2019 pelo Ministério do Meio Ambiente, indica que a erosão e o acúmulo de sedimentos já atingem cerca de 60% do litoral brasileiro. O impacto é maior nas regiões Norte e Nordeste. No paradisíaco litoral baiano, por exemplo, 20% das praias são atingidas pela erosão. Nas regiões Sudeste e Sul o impacto é de cerca de 15%
O cenário, entretanto, deve se agravar ainda mais nas próximas décadas, alerta a pesquisadora. De acordo com as projeções climáticas, daqui a 50 anos, o litoral norte de São Paulo, onde estão destinos turísticos como Ubatuba e Ilhabela, irá sofrer muito com a erosão. Ou seja, não há tempo a perder para que os municípios possam se adaptar e mitigar essas consequências.
“A gente ainda tem no Brasil muitas iniciativas de construção de muro, engorda de praia [alargamento da faixa de areia]… que não vão solucionar. Vai do interesse público lidar com isso. A solução é promover espaços de discussão para isso e encontrar as soluções para cada caso. Porque senão as soluções prejudicam as populações mais vulneráveis ou as próprias praias. A visão tem que ser sistêmica”, provoca Marina.
Contextos particulares, soluções integradas
Um dos pilares do trabalho da bióloga foi a construção coletiva e interdisciplinar para pensar a gestão de acordo com cada contexto e suas particularidades. “Os gestores locais têm um potencial muito grande de liderança nas praias. E isso tem que ser construído a partir da gestão que existe hoje, não adianta a academia ir lá e dizer como fazer”, reforça Marina.
Com os recursos da bolsa, a pesquisadora conseguiu realizar onze workshops, cada um com representantes de onze secretarias das prefeituras de quatro municípios no litoral norte de São Paulo: Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela. O encontro pode discutir como cada uma lidava com a gestão das praias e atuava (ou não) para garantir a sustentabilidade desses ambientes frente às mudanças climáticas e à erosão costeira. Participaram membros das pastas de Defesa Civil, Planejamento Urbano, Meio Ambiente e até de uma pasta específica para Gestão de Praias, da prefeitura de São Sebastião. Os quatro municípios estão dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Marinha do Litoral Norte.
“Durante o workshop, os representantes das prefeituras precisavam listar os benefícios das praias e depois conectar isso com os desafios enfrentados por causa da emergência climática para gerar uma visão sistêmica. Por exemplo, como a erosão costeira impacta esses benefícios percebidos por eles? O que pode ser feito, que atores têm que ser envolvidos e que relações têm que ser melhoradas? Todo o workshop foi construído na visão deles e nessa linha lógica da gestão integrada de ecossistema”, conta.
Uma das grandes conclusões da pesquisa foi a de que esse olhar baseado em ecossistemas pode orientar a governança das praias e a sua implementação, sendo uma abordagem a ser fortalecida na América Latina e no Caribe. Os desafios da região são: gestão fragmentada e descontinuada, processos participativos fracos, processos de pesquisa inconstantes. “Mas a gente também tem fortalezas aqui. Temos uma cooperação grande entre os países da região, pesquisas socioecológicas muito fortes. Não precisamos ir pro norte global para enfrentar esses desafios”, avalia a bióloga.
A interação entre a ciência e os órgãos públicos, assim como a construção coletiva de conhecimento, com abordagens transdisciplinares e participação da sociedade, também são parte do caminho para melhor gerir as praias e garantir sua sustentabilidade.
“Para mim o maior resultado foi em um dos municípios, onde havia uma ONG que buscava há tempos dialogar com a prefeitura sobre erosão costeira, porém faltava abertura para este diálogo. No final do workshop, a própria secretaria percebeu que tinha um déficit de conhecimento sobre erosão costeira e gestão de praias e, em parceria com a ONG, foi feito um processo de capacitação sobre erosão. Esses resultados não saem na tese, mas foram muito significativos para mostrar que as prefeituras perceberam lacunas e até mesmo se aproximaram da academia científica. Se eu tivesse feito só uma entrevista, não teria chegado tão longe”, reforça Marina.
A defesa do mestrado foi aprovada em 2021, e a dissertação completa está disponível no site da Universidade de São Paulo (USP).
Depois da pesquisa
Após a conclusão da sua pesquisa, Marina atuou como consultora técnica da Rede Oceano Limpo – RJ, iniciativa gerenciada pelo FUNBIO junto com a UNESCO, a USP e o Instituto Costa Brasilis, por meio do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) Almoxarifados Submarinos. Atualmente, ela é Analista de Conservação do Oceano no WWF-Brasil. Além disso, Marina é membro da Secretaria Executiva da Liga das Mulheres pelo Oceano. “Trabalhando sempre em rede e com construção coletiva”, resume a bióloga.