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Filho das águas
“As baleias são bichos emblemáticos. Quem vê uma, nunca esquece”. Fábio Fontes era um adolescente quando avistou pela primeira vez uma Jubarte. E aquilo não lhe saiu da cabeça. Com a espécie à beira da extinção em águas brasileiras, o Instituto Baleia Jubarte (IBJ) tinha acabado de abrir as portas no município baiano de Caravelas, em 1996. Com apenas 12 anos de idade, Fábio não titubeou: virou voluntário do IBJ. E não saiu mais: hoje é coordenador de educação ambiental e supervisor de campo na iniciativa “Diagnóstico da Captura Incidental de Toninha e Abordagem Comunitária de Medidas de Mitigação”, que tem recursos do Projeto de Conservação da Toninha.
Se dependesse dos pais, Fábio não viveria tão perto das ondas. Filho de uma doméstica e de um pescador, a família achava que a vida nas embarcações era sofrida demais para os rebentos. “Não me recordo de ter ido a alguma pescaria com meu pai. Ele sempre resistiu em nos levar”, recorda. Mas quem nasce em Caravelas – região que abriga a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul – dificilmente passa batido pelo mar.
“Se eu não fosse de um jeito, iria de outro”, diz. E foi mesmo. Imerso nas atividades do Instituto Baleia Jubarte, cresceu com o pé na areia e afiando cada vez mais seu discurso de proteção marinha para os turistas que desembarcavam na região. No ensino médio, passou a receber uma bolsa do IBJ e entendeu que o mar era mesmo seu lugar. Mas como biólogo: “Percebi que já estava atuando na área de Biologia. Então não escolhi fazer o curso: foi o curso que me escolheu”.
Não foi uma escolha fácil. O campus mais próximo da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) fica a 100 km de Caravelas. Por cinco anos, Fábio diariamente erguia o braço nas estradas e, de carona em carona, conquistou o diploma sem perder uma matéria sequer na faculdade. “Era um transtorno. Mas com muito suor eu consegui terminar”, comemora.
Se na adolescência foi a Jubarte que fez seu coração bater mais forte, nos últimos dois anos dedicou sua energia a outro mamífero marinho, que desliza pelas águas do estado vizinho. “A Toninha é o cetáceo mais ameaçado do litoral brasileiro, e a população que vive ao Norte do Espírito Santo é a que corre maior risco de desaparecer”, afirma.
Por ali, estima-se que há cerca de 600 a 700 indivíduos. Portanto, qualquer animal que caia nas redes de pesca é um grande baque para a espécie. Foi justamente para entender este cenário que o IBJ recebeu recursos do Projeto de Conservação da Toninha em 2017. A ideia do projeto era se aproximar das comunidades pesqueiras para fazer o diagnóstico das capturas acidentais na região e, junto com elas, pensar formas de amenizar o problema.
Quando o projeto foi aprovado, já fazia mais de uma década que Fábio andava por aquelas bandas para desenvolver outros trabalhos de pesquisa e educação ambiental com as comunidades. Seu nome foi logo escolhido para supervisionar o time que passaria dois anos entrevistando diariamente pescadores e embarcando com eles para registrar o aparecimento de Toninhas.
Antes mesmo de começar o trabalho, Fábio fez questão de visitar as seis comunidades pesqueiras da região para conversar sobre o projeto e montar o time que farias as entrevistas. Escolheu apenas moradores locais. “Não adianta colocar gente de fora que não conhece os hábitos dos pescadores ou que não tenha contato com eles”, diz.
Dali em diante, pelo menos duas vezes por mês ele desce de Caravelas ao Espírito Santo para saber como andam os trabalhos. E sempre aproveita para estreitar ainda mais os laços com os comunitários. “Manter uma boa relação com eles é um trabalho quase diário e precisa ter muito jogo de cintura. Os pescadores têm uma vida difícil e qualquer instituição que se aproxima, já acham que é fiscalização”, diz. “Eu falo da minha história para saberem que também sou desse meio, e digo que eles são nossos pesquisadores de campo”.
Durante dois anos de trabalho, foram mais de 3 mil entrevistas em cerca de 290 embarcações cadastradas. Neste período, pelo menos três Toninhas foram capturadas de forma acidental na região. Agora, este mundaréu de dados começa a ser analisado por outras equipes dentro do IBJ. Com o diagnóstico feito, o passo seguinte vai ser construir com os pescadores soluções conjuntas para as capturas acidentais.
Fábio está otimista. Se na adolescência viu as populações de Jubarte se recuperarem para saírem da linha de extinção, ele tem motivos de sobra para acreditar que a história pode se repetir. “O trabalho está sendo muito importante, e com certeza teremos bastante embasamento para propor alternativas de conservação”, diz. “Queremos que a Toninha tenha o mesmo destino da Jubarte”.