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Uma luz sobre a flora exclusiva da Mata Atlântica do Nordeste
Ao norte do rio São Francisco, a Mata Atlântica tem outro nome para os cientistas. É o Centro de Endemismo de Pernambuco (CEP) que, apesar do nome, estende-se de Alagoas ao Rio Grande do Norte. Já a referência ao endêmico, exalta a grande quantidade de espécies que ocorrem apenas nessas florestas acima do Velho Chico. É justamente sobre elas, em especial às árvores, que irá se debruçar a geógrafa Essia Romão-Torres, doutoranda da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e uma das selecionadas em 2023 pelo Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro, em parceria com o Programa Fonseca Leadership (Programa Fonseca de Liderança, em tradução livre), criado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, sigla em inglês).
O trabalho da pesquisadora – “Modelagem de distribuição de espécies botânicas endêmicas em fragmentos florestais no Centro de Endemismo Pernambuco” – irá mapear as espécies de árvores com ocorrência restrita ao CEP, que é considerada uma das regiões mais ameaçadas do bioma devido à história de colonização e ocupação do litoral brasileiro.
Uma das árvores sobre a qual Essia irá se debruçar é uma espécie de ingá (Inga suborbicularis), ameaçada de extinção e pouco estudada pela ciência, essa planta é conhecida atualmente apenas na Mata Atlântica do Nordeste. A árvore, que pode medir até 5 metros de altura, destaca-se com a floração de inúmeras flores que se assemelham a pequenos buquês de longos e finos tubos brancos, coroados de amarelo. Assim como outras espécies de ingá, seus frutos, em formato de vagens, são comestíveis – ainda que seu consumo não esteja tão estabelecido na região, onde se enquadra como uma planta alimentícia não convencional (PANC).
Dialogar com a sociedade e ir além da tese, aliás, é um dos objetivos do projeto de pesquisa. “Nós queremos ampliar o alcance da pesquisa, que vá além da academia. Queremos que isso se torne um instrumento de gestão ambiental para essas regiões. Vamos pegar todos os resultados e informações que a gente levantar e transformar isso num guia ilustrado para chegar aos gestores públicos e ambientais, aos educadores e à sociedade de maneira geral. Então além dos produtos acadêmicos como os artigos científicos e as descobertas, queremos transformar [o projeto] num produto didático”, resume.
A etapa inicial da pesquisa será feita por meio dos bancos de dados disponíveis de coleções biológicas e herbários sobre as ocorrências das espécies. Após esse primeiro esforço, Essia irá delimitar as distribuições geográficas e alimentar uma modelagem estatística, feita em um software específico, baseada em nichos ecológicos para entender melhor a relação entre as variáveis ambientais e as ocorrências, e para validação dos modelos preditivos.
Um dos objetivos da pesquisa é tentar compreender os fatores ambientais, como período de chuvas, clima e possíveis restrições ecológicas, que influenciam a ocorrência dessas árvores. “Queremos compreender quais os fatores ambientais que influenciam na ocorrência ou ausência dessas espécies. Será que elas ocorrem apenas nessa área [do CEP] porque são restritas – e quais características levam a isso – ou por que são sub amostradas?”, questiona Essia.
Com os resultados da modelagem serão apontadas quais as áreas com alta e baixa probabilidade de ocorrência dessas espécies. “Se determinada área tem alta probabilidade de ocorrência, mas não tem dados de ocorrência nela, nós podemos acionar esse esforço de coleta para ela”, completa a pesquisadora da UFPE.
As idas a campo serão fundamentais para validar os resultados apontados pela modelagem e é principalmente nesta etapa, reforça Essia, que o apoio do Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro e do GEF será crucial. “Vai ser um campo muito amplo e seria inviável fazer essa pesquisa sem esse recurso”, conta a pesquisadora, que prevê fazê-los entre setembro de 2024 e fevereiro de 2025. Ainda será determinado onde exatamente serão os campos, de acordo com os dados, mas a expectativa da pesquisadora é amostrar em Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, com foco em áreas com as maiores lacunas de dados.
Muitas das espécies da flora do CEP ainda não tiveram seus estados de conservação avaliados devido à falta de informação. “Vamos analisar quais espécies já foram avaliadas pelos órgãos oficiais e quais espécies não foram avaliadas ainda porque não há informações suficientes. Nós queremos enxergar esse quadro de informações e lacunas”, explica a bolsista.
Além de responder perguntas sobre as espécies de árvores endêmicas do CEP, Essia também pretende responder qual o estado de conservação dos fragmentos em que elas vivem. O que inclui uma projeção de cenários para esses fragmentos diante das mudanças climáticas para entender os mais vulneráveis, assim como verificar a existência – ou não – de políticas de conservação no território. “A partir disso podemos indicar áreas prioritárias para conservação”, reforça.
“Nós escolhemos as árvores porque entendemos que elas são espécies-chaves. Quando buscamos conservar uma árvore, conservamos todo o ecossistema associado a ela. Os fragmentos florestais da Mata Atlântica, por todo o processo histórico de ocupação, degradação, uso e pressão humana que ainda sofrem, são áreas muito frágeis e que conservam altos índices de endemismo”, explica Essia.