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Os olhos da Baía
A cena está gravada na memória de Alexandre Anderson: com seu barco na água, ele viu de perto uma grande mancha escura avançando por todos os lados. O ano era 2000, quando o rompimento de um duto jogou mais de 1 milhão de litros de óleo na Baía de Guanabara. Começava ali um dos maiores desastres socioambientais já registrados na região. E nascia também uma das grandes lideranças locais em defesa da baía: “Minha militância se inicia nesta época. A ausência do Estado fez com que eu me tornasse um dos interlocutores da minha comunidade”, conta.
À frente da Associação Homens e Mulheres do Mar (AHOMAR) – criada alguns anos após o vazamento – Alexandre (foto abaixo) nunca esteve sozinho. Representando centenas de famílias, a AHOMAR tem um papel histórico e fundamental na defesa dos direitos de pescadoras e pescadores artesanais da Baía de Guanabara. Agora, a entidade pretende passar à frente seus aprendizados. Por meio de uma iniciativa apoiada pelo Projeto Educação Ambiental – sob gestão do/TAC Frade e pelo FUNBIO –, seis grupos e movimentos locais receberão apoio técnico, formativo e financeiro para se estruturarem em uma grande rede.
“Decidimos que não faríamos um projeto voltado para a AHOMAR, e sim para fortalecer essa teia de organizações parceiras, irmãs, que não estavam conseguindo caminhar por falta de recursos e de estrutura”, diz Alexandre, com seu olhar estratégico: “Somos conhecidos como a entidade mais atuantecombativa da região. Por conta disso, já sofremos muitas represálias e ameaças. Mas com uma rede sólida este cenário pode ser minimizado – agora as poluidoras não vão mexer apenas com a AHOMAR: terão que lidar com um coletivo muito mais amplo”.
Experiência prática
Foi na prática que Alexandre e a turma da AHOMAR aprenderam a força de grupos organizados. Na época em que o óleo se espalhou pela baía, os dados oficiais contabilizavam mais de 20 mil famílias de pescadores na região. Mas totalmente invisibilizadas pelos setores público e privado. “Eles não nos reconheciam, pois não tínhamos uma entidade que nos representasse”, diz Alexandre. E desta constatação nasceu a AHOMAR: “Foi quando finalmente conseguimos abrir o diálogo”.
Dali em diante, a associação nunca mais deixou de falar. Articulando parcerias com universidades e órgãos técnicos, a cada passo dado a AHOMAR qualificava ainda mais seus argumentos. Foram inúmeros monitoramentos, pesquisas antropológicas, censos e estudos de cartografia social desenvolvidos ao longo dos anos. Uma enxurrada de dados que finalmente escancarava a presença e a importância das comunidades pesqueiras na Baía de Guanabara.
“Fomos apresentando uma visão sólida de que estávamos sendo expulsos dos nossos territórios de forma compulsória pelas indústrias poluidoras”, diz Alexandre. O pescador perdeu as contas de quantas audiências públicas e fóruns participou desde aquele dia em que seu barco ficou manchado de óleo. Já viajou do Acre ao Sergipe para compartilhar as experiências de enfrentamento da AHOMAR, discursou na ONU representando pescadores artesanais brasileiros, recebeu ameaças e continua em frente. Agora, reverbera para outras comunidades todo este acúmulo de vivências.
Até o fim do ano, as seis organizações beneficiadas pelao iniciativa projeto dao AHOMARTAC Frade vão receber um ‘kit escritório’ com computadores, impressoras, mesas e cadeiras, além de um pacote de oficinas formativas com os mais variados temas, sempre partindo das demandas das próprias comunidades. “A cada oficina haverá cerca 50 mulheres e homens multiplicadores, que irão passar adiante os aprendizados”, diz Alexandre, comemorando o fato de que metade das entidades já está prestes a tirar seu CNPJ.
Segundo ele, a expectativa é que pelo menos duas mil pessoas sejam beneficiadas. Um verdadeiro mutirão para continuar enfrentando os desafios e pressões que nunca cessaram na região. “Ao final do projeto, tenho certeza que existirão mais seis organizações ligadas à Rede AHOMAR com lideranças fortes e capacitadas para cobrar do poder público e das empresas privadas suas responsabilidades socioambientais”, avisa o pescador. “A gente trabalha no coletivo, para garantir que a Baía de Guanabara continue viva por centenas de anos”.
Foto: Arquivo pessoal