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Búzios como ela é
Foto: Carolina Siqueira
Em outubro, três novas iniciativas de Educação Ambiental foram aprovadas: Desenvolvimento da Pesca, Maré a Leste e Guardiãs das Tradições Pesqueiras pretendem fortalecer a organização comunitária no litoral fluminense, ao mesmo tempo em que geram renda para as famílias. Desta vez, a chamada de projetos contemplou movimentos, associações e coletivos com baixa formalização, por meio de uma execução integrada com instituições mais estruturadas, conhecidas como aglutinadoras.
“Nosso coletivo de mulheres já trabalha há mais de 16 anos com a pesca artesanal. Já fazíamos comida, artesanato, participávamos de festivais. Mas nunca fomos um grupo formalizado”, diz a caiçara Cilene Santos da Silva. “Ficamos super felizes, pois é a primeira vez que participamos de um edital”.
Cilene é uma das quase 100 mulheres do município de Búzios, Rio de Janeiro, que serão beneficiadas com o projeto Guardiãs das Tradições Pesqueiras. Coordenada pela Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR) e amparada tecnicamente pela Universidade Federal do Norte Fluminense (UENF) e pela consultoria Paideia, a iniciativa engloba três movimentos locais, impactando positivamente a vida de mulheres caiçaras, marisqueiras, negras e quilombolas.
Em comum, os três grupos pretendem contar a história de Búzios a partir de suas próprias vozes e vivências. E de quebra, fortalecer o trabalho que já desenvolvem tradicionalmente como pescadoras artesanais, artesãs e costureiras. “Nosso movimento de mulheres caiçaras surgiu através de um pensamento: fazer valer a nossa verdadeira história. Todo mundo fala de Búzios, mas ninguém conta das aldeias de pescadores, da nossa cultura. Estamos cansadas disso”, diz Cilene.
E resolveram dar um basta: internacionalmente conhecida pelo turismo, Búzios em breve vai ganhar seu primeiro roteiro turístico de base comunitária, construído coletivamente por essas mulheres. Batizado de Rota Turística Afro Buziana, o percurso promete tirar da invisibilidade uma Búzios que pouca gente conhece.
“Aqui na cidade tem a península, onde estão os turistas, e tem o continente, onde estão os nativos, onde existem dois quilombos e muita história a ser contada. Os governantes sempre enaltecem os que vêm de fora e tiram a gente de evidência”, afirma Luciana Passos, presidente da Associação Bonecas Negras de Búzios, que reúne costureiras e artesãs negras e quilombolas, que frequentemente têm ligação com a pesca artesanal. “Agora as pessoas poderão vir a Búzios e conhecer nossa cultura. Pela primeira vez temos um projeto totalmente voltado para a população nativa”.
E se essa oportunidade é inédita, não é por falta de mobilização. A Associação Bonecas Negras, por exemplo, reúne mais de 20 mulheres e já tem seu próprio CNPJ. Entre as marisqueiras, são cerca de 25 pessoas que ainda buscam se formalizar em grupo. E as caiçaras já somam quase 50 nativas que se reúnem e dividem atividades informalmente há pelo menos 16 anos.
No caso das marisqueiras e caiçaras, o projeto ainda pretende impulsionar o processo de legalização dos grupos: “Esta é uma das nossas tarefas. No trabalho de educação ambiental vamos ter um período de formação para abordar o que é uma cooperativa, uma associação, um regimento, falar quais são os direitos desses grupos… Uma consultoria jurídica já está fazendo o acompanhamento para orientá-las na organização comunitária. E posteriormente vamos avançar mais fundo na geração de trabalho e renda”, explica o professor da UENF e coordenador técnico da iniciativa, Giovane do Nascimento.
A ideia, portanto, é justamente que o Guardiãs das Tradições Pesqueiras seja um pontapé para fomentar ainda mais os trabalhos dessas mulheres. E no próximo um ano e meio, elas ainda vão ganhar duas sedes, equipamentos de proteção individual, cursos de capacitação, além de criarem um fundo para que possam continuar se mantendo de maneira sustentável depois que o projeto chegar ao fim.
Se elas estão animadas? “Estamos explodindo de tanta alegria. Nunca imaginei que a gente poderia participar de um edital”, comemora a marisqueira Tatiane Pereira da Silva Simas. E a caiçara Cilene completa: “Queremos ser reconhecidas pela autonomia, pelo respeito, pela diversidade e pela luta por nossos direitos. É um novo movimento surgindo em Búzios”.