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Retrato falado
O levantamento de informações junto aos pescadores foi o coração do projeto. Foto: Instituto Baleia Jubarte
Carregando mais de 30 anos de experiência com cetáceos, o Instituto Baleia Jubarte (IBJ) acaba de concluir seu primeiro trabalho de fôlego com as toninhas. E o resultado é um diagnóstico detalhado da captura incidental da espécie entre o Norte do Rio de Janeiro e o litoral do Espírito Santo. Os dados foram transformados em um atlas ilustrado, com gráficos, fotos, mapas e informações espacializadas. Além de trazer números que reforçam a urgência de se adotar ações de conservação da espécie, o atlas apresenta um nítido retrato de onde os riscos de captura incidental são mais altos.
“O projeto foi um desafio, porque a área de pesquisa era muito extensa. Mas chegamos a resultados bastante consistentes”, afirma o gerente executivo da iniciativa e diretor do IBJ, Eduardo Camargo. A equipe identificou e apresentou visualmente os locais de maior incidência de emalhe das toninhas, quais os tipos de rede mais usados, de que portos saem as embarcações, entre outras informações.
Até então, o conhecimento que se tinha sobre a mortalidade das toninhas na região era escasso e fragmentado. Mas o Instituto Baleia Jubarte já andava de olho no assunto: volta e meia apareciam animais encalhados nas praias, e as publicações científicas já chamavam a atenção para as capturas incidentais do golfinho por redes de pesca. “Sabíamos da ocorrência de animais na região e das mortes com grande indício de emalhe, mas precisávamos conhecer mais a fundo esses dados”, explica Eduardo.
O empurrão veio em 2017, quando o IBJ recebeu apoio do Projeto de Conservação da Toninha, e iniciou os trabalhos de Diagnóstico da Captura Incidental de Toninha na Área de Manejo I (FMA I) e Abordagem Comunitária de Medidas de Mitigação. O objetivo era entender onde ocorrem as capturas incidentais e o tamanho do problema.
Para desvendar a questão, a equipe de aproximadamente 30 pessoas mirou nos portos. Com bases em 10 localidades que atravessam o litoral do Espírito Santo até o Norte do Rio de Janeiro, o time fez o levantamento da frota pesqueira, a caracterização das embarcações e das artes de pesca. Enquanto uma parte dos monitores subia a bordo dos barcos para acompanhar as pescarias, outro time seguia com os pés plantados nos portos para entrevistar os pescadores. O esforço durou mais de dois anos.
“A gente monitorava nos desembarques o que estava sendo produzido, mas principalmente se havia emalhe de toninhas. Em caso positivo, registrava o local onde ocorrera o incidente”, explica o diretor do IBJ. “Toda informação vinha dos monitores e dos pescadores: esse era o coração do projeto”.
A operação não foi simples. Além da grande extensão territorial que a iniciativa cobria, o desafio também era ganhar a confiança dos pescadores. Para driblar a hesitação, a estratégia foi escalar monitores locais, em cada comunidade monitorada. Remunerados pelo projeto, filhos, netos, sobrinhos e primos de pescadores entraram em ação. Em 26 meses de trabalho diário, eles registraram informações de mais de 15 mil desembarques pesqueiros.
“Isso nos trouxe bastante robustez”, diz o gerente do projeto. Agora, por exemplo, já se sabe que a captura incidental de toninhas no Espírito Santo – que tem uma população de aproximadamente 600 golfinhos – atinge uma média de 6 animais por ano, e em algumas localidades o número pode chegar a 12. No Rio de Janeiro, cuja população é de cerca de 1300 indivíduos, a estimativa é de 8 toninhas mortas anualmente.
O número pode parecer pequeno. Mas não é. “Quando se faz o estudo de viabilidade populacional, de tempo de vida e outros elementos, a gente entende que o número é muito alto. É bastante superior aos números que garantiriam a viabilidade da população”, afirma Eduardo.
Essas e outras informações estão registradas no atlas, que ganhou uma versão de cartilha para ser distribuída entre os pescadores. Os materiais também já chegaram às mesas dos órgãos ambientais capixaba e fluminense, com direito a conversas feitas remotamente. Eduardo ressalta que o diálogo entre todos os setores daqui para frente vai ser fundamental para se chegar a alternativas que viabilizem, ao mesmo tempo, a atividade pesqueira e a existência das toninhas. “As ações de conservação são urgentes, pois as populações correm risco de extinção”.