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Estudo avaliará riscos de morcegos do Cerrado como hospedeiros de vírus
Na infância e na adolescência, Batman era o super-herói favorito. Na vida adulta, morcegos de verdade, assustadores para alguns, adoráveis para outro, entraram de vez na vida de Igor Daniel Bueno Rocha. Foi num laboratório da Universidade de Brasília (UnB) que o biólogo mergulhou na vida desses que são os únicos mamíferos voadores, tema do projeto aprovado na terceira edição do programa Bolsas FUNBIO. No trabalho, ele investigará ao menos oito espécies de morcegos encontradas no Cerrado, potenciais hospedeiros de vírus que podem gerar desafios para a saúde pública.
“Estudos anteriores já encontraram coronavírus em morcegos no Brasil. Como nosso estudo fará metagenômica viral, ou seja, levantamento de material genético de todos os vírus presentes nos morcegos, há chances de achar diversos outros vírus tropicais comuns com potencial epidemiológico. E, o que é mais importante, saber se o SARS-CoV-2 está presente nos morcegos daqui, o que poderia nos fazer inferir que há possibilidade de transmissão do homem para os morcegos também, o que é prejudicial pra conservação das espécies”, diz Rocha, que realiza o trabalho no Laboratório de Biologia e Conservação de Morcegos, sob orientação da professora Ludmilla Moura de Souza Aguiar.
Em todo o mundo, a pandemia de COVID-19 aumentou ainda mais o interesse em morcegos, repositórios de vírus que, se teme, tenham potencial do chamado spillover, processo pelo qual o micróbio se adapta de um hospedeiro a outro – do morcego para um intermediário, e desse para o homem.
“Existe uma lacuna de conhecimento no Brasil sobre morcegos e vírus. Aqui, as pesquisas concentram-se sobre o vírus da raiva, pelo potencial que tem de infectar animais, impactando a pecuária”, diz o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UnB.
Estima-se em 1,4 mil o número de espécies de morcegos no mundo, 181 das quais no Brasil. Dessas, ao menos 103 ocorrem no Cerrado. Mudanças climáticas e desmatamento provocaram em partes do mundo novas distribuições de populações antes restritas a determinadas áreas. Em alguns casos, o resultado foi uma maior proximidade com o homem, o que gerou um alerta na comunidade científica global pelo risco de spillover e de potenciais pandemias.
O trabalho de Rocha, pioneiro no Brasil, ajudará a conhecer que vírus hospedam morcegos no lado de cá do Equador. Hoje, a maior parte dos estudos concentra-se na Ásia, onde, em algumas localidades, morcegos são consumidos como iguaria – aqui, conta o pesquisador, há registros, porém são raros.
“Além do viés sanitário, meu estudo também tem uma preocupação ecológica. A estratégia de eliminar morcegos indistintamente, como a implosão de cavernas, pode impactar espécies de morcegos ameaçadas fundamentais, por exemplo, para a polinização”, diz Rocha.
O pesquisador realizará o trabalho de campo em cavernas do Distrito Federal.