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O vinho do sertão e a conservação da Caatinga
Num futuro próximo, um bom vinho à mesa e um brinde podem celebrar a conexão entre a ciência e a conservação da Caatinga. O doutorando Itaragil Venâncio Marinho, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) está empenhado em provar que é possível envelhecer a bebida milenar extraída das uvas com madeiras do sertão da Caatinga. A pesquisa “Avaliação de Vinho Envelhecido com Uso de Madeiras Nativas da Caatinga”, recebe o apoio do programa Bolsas FUNBIO, Conservando o Futuro, e pode revelar uma atividade econômica e de conservação para o bioma encontrado em 9 estados nordestino e no norte de Minas Gerais.
“Hoje ninguém mais tem interesse em recuperar área de Caatinga. Quando provarmos que aquelas espécies têm valor econômico alto, estaremos falando da conservação do bioma”, explica o doutorando.
As espécies florestais escolhidas são Cumaru (Amburana cearensis e Craibeira (Tabebuia aurea) que só ocorrem na Caatinga. O pesquisador vai avaliar a composição físico-química e sensorial de vinhos tintos finos produzidos no Vale do Rio São Francisco, envelhecidos em barris de madeira. Itaragil acredita que, comprovada essa possibilidade, haverá uma mudança de mentalidade sobre semiárido nordestino. E não haverá perigo com essa extração dessas árvores. Segundo o pesquisador, elas representam menos do total de 1% de espécies da Caatinga.
“É um processo de valorização da madeira e da região. Elas só vão ser exploradas por meio de plantios de reflorestamento, de produção ou de manejo florestal. Precisamos perceber o valor econômico da Caatinga e não só pensar que ali pode ser um potencial pasto”, explica.
Faz dez anos que a ideia de estudar madeiras no envelhecimento de bebidas surgiu. Quando Itaragil fazia seu mestrado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) ele pensou em investigar o envelhecimento de cachaça em madeiras nativas porque a indústria da cachaça já utilizava algumas madeiras, como o próprio cumaru. Alguns contratempos fizeram ele mudar completamente sua pesquisa para implantação de planos de manejo florestal em assentamentos rurais. E retomou em 2015, atraído pelo ineditismo de associar o vinho às madeiras do sertão.
“Queremos ingressar no clube fechado do carvalho (espécie florestal do gênero Quercus) e que reina na produção de vinho. Temos um potencial muito grande, no mínimo 2.500 espécies madeireiras no Brasil que podem ser aproveitadas. O cumaru, por exemplo, tem cinco vezes mais extrativos que o carvalho. E alguém precisava começar a estudar isso”.
Até chegar a defesa da sua tese, em 2021, Itaragil tem se dividido entre o laboratório da universidade, trabalhos de campo, visita a vinícolas e participação em eventos da indústria do vinho. Tudo isso, para compreender o processo de produção de uma bebida que escoa 8 milhões de litros de vinho por ano do Vale do Rio São Francisco e abastece 15% do mercado nacional. A região é a única no mundo onde se produz duas safras e meia por ano de uvas de mesa e de uvas usadas na fabricação de sucos e vinhos, segundo a Embrapa. Depois de ir a campo, coletar a madeira e enviar para um artesão produzir o barril, Itaragil conseguiu apoio de uma vinícola em Petrolina-PE, que vai doar o vinho para ser envelhecido e analisado por doze meses no laboratório da UFPB.
“Dentro dessas análises vamos entender o que essa madeira agregou ao vinho, como ele foi modificado físico-quimicamente e também sensorialmente, para que a gente ateste que o vinho poderá ser consumido”, resume ele.
O programa Bolsas FUNBIO veio em boa hora para a pesquisa do futuro doutor. Custos logísticos e de análise nos laboratórios só foram possíveis com o suporte do programa.
“Preciso utilizar reagentes que custam R$250/1ml. Quando surgiu o programa Bolsas FUNBIO foi um alívio. Vi que o projeto se encaixava na linha de uso sustentável e me inscrevi”, afirma.
Itaragil sabe que modificar uma linha de produção estabelecida há anos pode não ser muito fácil. Mas pretende apresentar as conclusões de sua pesquisa para a indústria do vinho do Vale do Rio São Francisco e brindar, quem sabe uma parceria para o futuro.
“Vamos propor às vinícolas, a criação de um vinho do terroir da Caatinga”, afirma ele, entusiasmado, sem esconder a torcida pela chegada ao mercado de um vinho genuinamente do sertão.