Notícias
Quelônios dos ovos de ouro
A cultura é arraigada: nas capitais ou nas cidades do interior da Amazônia, elas são uma iguaria. Com sua carne e seus ovos disputadíssimos em mercados legais ou paralelos, a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa) já figurava entre as espécies endêmicas ameaçadas de extinção na década de 1970. Um dos répteis mais antigos do mundo, o quelônio de água doce quase não resistiu à caça predatória. Quatro décadas mais tarde, o consumo da carne e dos ovos dos quelônios ainda é um problema. Mas 34 unidades de conservação que contam com recursos do ARPA para a fiscalização da desova respiram aliviadas. No período 2017-2018, o programa destinou mais de R$ 1 milhão para este fim.
A criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas, no Pará, em 1979, foi uma das primeiras medidas do governo para frear a queda da população dos quelônios amazônicos. Em época de desova, o rio que dá nome à unidade é destino certo de tartarugas-da-amazônia, tracajás (Podocnemis unifilis) e pitiús (Podocnemis sextuberculata), sendo as duas últimas espécies vulneráveis. Em 2017, a Rebio investiu R$ 131 mil em recursos do ARPA no monitoramento de suas três bases avançadas. De acordo com a gestora da unidade, Lady Laura Printes Soares, elas contam com 24 horas de vigilância de julho a janeiro, quando ocorre a última soltura de filhotes.
A base do Tabuleiro é a mais distante da central, a duas horas de lancha e quatro de barco, e também a preferida das tartarugas-da-amazônia. Os recursos do ARPA garantem tanques de combustível cheios para o transporte dos mantimentos e dos agentes de fiscalização, que se revezam a cada 15 dias. A conta sai cara: sozinho, o Tabuleiro gasta 600 litros de gasolina por mês, além dos 400 litros de diesel que mantêm os grupos geradores da base, responsáveis pela energia elétrica. “Os motores das lanchas são muito antigos, consomem combustível demais, e a cada ano esse gasto aumenta. O ARPA é fundamental para manter as nossas operações”, explica Laura.
Garantia de continuidade
Já em Rondônia, no Parque Estadual Corumbiara, a vigilância tem que ser redobrada: o rio Guaporé, onde ocorre a desova dos quelônios, faz a divisa entre o Brasil e a Bolívia. Do lado de lá, o Parque Nacional de Noel Kempff Mercado também sofre com a caça predatória. O gestor Raimundo Dima Lima trabalha lado a lado com as forças armadas bolivianas para coibir a pesca ilegal e conscientizar os moradores da fronteira. “Eles têm mais pobreza, e as pessoas ou comem os animais ou os vendem para comprar comida”, explica.
Em 2013, Dima implementou quatro bases de monitoramento nas margens do Guaporé. Quando dezenas de tartarugas foram apreendidas no município vizinho de Pimenteira, ele acionou a Secretaria de Desenvolvimento Ambiental do estado e sistematizou a fiscalização dos ninhos e a soltura dos filhotes. Em 2014, 50 mil filhotes foram devolvidos ao rio. Dois anos depois, o ARPA começou a apoiar a iniciativa e foi um divisor de águas: naquele ano, a soltura chegou a 250 mil animais.
Os recursos possibilitaram a presença de equipes e comunitários em campo para realizar o trabalho. “Era difícil organizar um mutirão sem poder oferecer um almoço”, conta Dima. Desde que assumiu a gestão do parque, em 2007, três milhões de filhotes de quelônios foram soltos no afluente do Amazonas.
Ponto focal do ARPA em Rondônia, Luiz Cláudio Fernandes destaca que o apoio do programa chegou em um momento de “sobes e desces” econômicos do governo do estado, o principal financiador da iniciativa até então. Ele garante que, se há cinco anos era difícil avistar uma tartaruga-da-amazônia nas margens do rio, hoje já é fácil encontrá-las. “É gratificante, porém, o trabalho aumenta”, alerta.
Embora hoje possua estado de conservação menos preocupante que os tracajás e pitiús, a tartaruga-da-amazônia é o maior quelônio de água doce do mundo, chegando a pesar 60kg. As fêmeas colocam até 160 ovos por postura. Caçadores vendem os animais por, no mínimo, R$ 100. “A responsabilidade agora é de manter a área protegida do comércio de quelônios”, diz Luiz.