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Um museu de novidades
Taxidermia. De nome difícil e pouco popular, a técnica de reproduzir o corpo de animais para exibição ou estudo vai ganhar em breve um moderno laboratório no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. Após o incêndio de 2018 destruir grande parte de seu acervo expositivo, chegou a hora de resgatar uma parcela dessa riqueza histórica e cultural. E para isso, o novo espaço terá um papel fundamental. “Não há novas exposições sem acervo. E não há acervo sem taxidermistas”, diz Renata Stopiglia, pesquisadora e coordenadora de Taxidermia no museu.
Desde o início de 2022, o Projeto Pesquisa Marinha e Pesqueira inaugurou uma linha de ação específica voltada a apoiar a reconstrução do acervo de animais marinhos do Museu Nacional. Foi diante deste objetivo que surgiu a demanda por um novo laboratório. Não que o antigo tivesse sido afetado pelo incêndio: não foi. Mas a destruição do acervo acabou transformando o departamento de taxidermia em uma das áreas mais importantes da instituição hoje. “Da noite para o dia, surgiu uma necessidade absurda por peças de exposição”, diz Renata.
O problema é que o departamento não estava com todo este vigor. Contando com apenas quatro profissionais, uma sala pequena subterrânea e equipamentos defasados, a atual equipe já vinha há muitos anos focando seu trabalho na chamada taxidermia científica, voltada ao preparo e empalhamento de animais para estudo, e não à exposição pública. Tarefas aparentemente semelhantes, mas na prática, bastante diferentes.
“A taxidermia expositiva inclui uma parte artística grande, pois é através dela que as pessoas podem ver as expressões em vida de um leão, por exemplo. Por meio dela que você percebe a musculatura de um animal na natureza. É isso que vai conquistar, encantar, sensibilizar o público”, diz Renata. “Quem está por trás dessa arte é o taxidermista. E os nossos não foram treinados para isso”.
A pesquisadora explica que a maioria dos animais icônicos expostos no Museu antes do incêndio havia sido preparado até meados do século 20. Pelas décadas de 1940 e 1950, portanto, os taxidermistas do Museu Nacional tinham grande experiência no empalhamento de animais voltados à exposição pública. Mas após a consolidação do acervo, a demanda caiu e os novos profissionais que chegavam se voltaram para outras tarefas.
Paralelamente, a instituição também sofreu inúmeras quedas de orçamento ao longo das últimas décadas, o que tornou a situação de trabalho precária. A câmara fria onde os animais eram guardados até o início de seu tratamento, por exemplo, já estava há algum tempo sem funcionar por falta de manutenção, impossibilitando o recebimento de novos animais.
Mas com o Projeto Pesquisa Marinha e Pesqueira, este cenário de desolação começa a ficar para trás. “O apoio possibilitou o resgate obrigatório não só do laboratório mas também da equipe. De pouco valorizados, os profissionais passaram a ter uma importância única”, diz Renata.
E em breve, eles terão um ambiente muito maior e adequado às necessidades atuais do museu. Uma das primeiras novidades foi a aquisição da nova câmara fria, que tem mais de 3 metros de altura e 2,5 metros de largura. Tamanho suficiente para armazenar grandes animais que, num futuro próximo, irão compor novamente o acervo expositivo da instituição. Com a chegada do equipamento, já foi possível receber uma leoa marinha de 300 quilos enviada pelo zoológico de São Paulo.
A equipe também vem passando por treinamentos de taxidermia expositiva com alguns dos profissionais mais gabaritados do mundo, vindos da Alemanha. “Eles vieram nos ensinar a recuperar a expressão facial dessa leoa marinha, a conseguir extrair da peça suas medidas reais, reproduzir seus olhos, sua musculatura”, explica Renata Stopiglia.
Enquanto os profissionais se preparam, o laboratório vai virando realidade. Projetado com 500 m² e dois andares, ele vai sair do subterrâneo para ganhar uma área nobre no museu. De uma pequena sala, agora serão vários espaços, cada um voltado para procedimentos específicos. Até uma área aberta para a suspensão por guindaste fará parte do novo projeto, possibilitando ao museu receber grandes animais.
“Nosso laboratório vai se equiparar aos principais laboratórios da Europa e será provavelmente único na América Latina”, diz a coordenadora de Taxidermia do museu. “Ele vai permitir a produção de peças que hoje são impossíveis para nós”.
As obras começaram em 2023, e sua inauguração estava prevista para abril de 2024. Mas no meio do caminho havia uma pedra. Ou melhor, um muro: logo nas primeiras escavações, a empresa responsável por executar as obras encontrou vestígios do que parecia ser uma edificação antiga. A equipe do Museu Nacional foi acionada e seu time de arqueologia uniu-se a uma empresa de arqueologia e patrimônio histórico para avaliar o que seria aquilo.
Achados imperdíveis
“O que descobrimos é que se trata de um conjunto de fundações antigas de uma construção bastante grande”, conta a arqueóloga Gina Bianchini, que está trabalhando na caracterização dos achados junto à colega de profissão Cilcair Andrade. Para isso, a dupla georreferenciou o local, sobrepôs mapas, levantou documentos históricos e concluiu que provavelmente se trata de uma construção datada do final do século 19 e início do século 20.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi avisado imediatamente e já tem em mãos um relatório parcial com as informações coletadas até agora. Com a autorização do órgão, as equipes continuam acompanhando de perto as obras para tentar coletar mais vestígios que possam trazer novas informações sobre o achado arqueológico.
“Esperamos encontrar mais materiais que nos ajudem a caracterizar o que era essa construção. Aí sim conseguiremos uma datação mais precisa, além de dizer que tipo de ocupação construiu aquela estrutura e com qual finalidade era usada”, diz Cilcair Andrade.
O achado arqueológico acabou atrasando o cronograma das obras do laboratório de taxidermia. Se antes era abril, a inauguração agora está prevista para setembro de 2024. Mas o que poderia ser uma dor de cabeça, virou motivo de alegria. “Apesar da surpresa, esse achado não pode jamais ser um problema para nós. Ainda mais na casa da arqueologia brasileira que é o Museu Nacional. Tivemos um susto, sim. Mas todo mundo entendeu a beleza deste achado”, diz Renata.
Texto originalmente produzido pelo jornalista Bernardo Camara para a newsletter “Linhas do Mar” para divulgação do Projeto de Apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira, Projeto Educação Ambiental, Projeto Conservação da Toninha e Projeto Apoio a UCs.